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Célula-tronco não é panacéia, diz cientista

14 Ago 2004 - 10h21
Pouca gente tem tanta intimidade com células-tronco quanto o médico americano Jeffrey Daniel Macklis, da Escola Médica de Harvard, nos EUA. Seu laboratório foi o primeiro do mundo a provar que células-tronco existentes naturalmente no cérebro podem ser "convencidas" a se transformar em neurônios e, num trabalho ainda inédito, a sugerir que esses neurônios podem se juntar a circuitos já estabelecidos e funcionar normalmente.

Macklis, no entanto, pede cautela às pessoas que acham que as células-tronco (capazes de produzir qualquer tipo de tecido no organismo) são uma promessa imediata de tratamento para males como os de Alzheimer e Parkinson. "Eu acho que esse trabalho levará 10, 20, 30, 50 anos, dependendo da complexidade", afirma.

O pesquisador americano trabalha longe dos dilemas éticos que envolvem os estudos com células-tronco de embriões. Para ele, existem células "precursoras" adultas na maioria dos tecidos, inclusive no sistema nervoso, que podem ser usadas para consertar partes danificadas e tratar doenças degenerativas sem a necessidade de destruir um embrião humano no processo.

Mas ele afirma que a ciência não pode abrir mão das células-tronco embrionárias. Elas são a melhor forma, por exemplo, de entender os defeitos genéticos que levam ao aparecimento de doenças como a de Alzheimer.

Mesmo as fontes dessas células, para Macklis, não devem ser chamadas de "embriões". "Minha visão é que essas células serão lixo médico quando não forem mais usadas numa clínica de fertilização. Esse tecido não é um embrião de forma alguma", afirma.

De seu escritório em Boston, por telefone, Macklis concedeu a seguinte entrevista à Folha:

Folha - O Congresso brasileiro está discutindo um projeto de lei que regulamenta a pesquisa com células embrionárias no país. O sr. acha que esse tipo de pesquisa deveria ser proibido?
Jeffrey Macklis -
Primeiro, eu esclareceria que células-tronco embrionárias humanas não vêm de embriões humanos. Elas são geralmente derivadas de um tubo de ensaio que tem umas poucas células fertilizadas, tipicamente sobras de clínicas de fertilização. Essas células estão num estágio inicial que se parece com uma bola, que não é um embrião com qualquer forma ou dimensão humana. De fato, essas células só têm potencial se implantadas num útero para se desenvolverem. Então, minha visão é que essas células serão lixo médico quando não forem mais usadas numa clínica de fertilização. Esse tecido não é um embrião de forma alguma.

Folha - Mas isso não é uma questão de nomenclatura? Conservadores no Congresso podem dizer que isso é um embrião.
Macklis -
Sim. E até o século 19 as pessoas pensavam que as crianças eram formadas inteiras, em miniatura, em cada espermatozóide. Mas isso não é verdade. E essas células não são, no meu ponto de vista, destruição de uma vida humana. Elas são destinadas a um saco de lixo hospitalar. Alguém poderia perguntar qual é o ponto positivo de fazer pesquisa com células-tronco embrionárias humanas. E não se trata simplesmente de descobrir como elas podem ser controladas em aplicações terapêuticas para doenças humanas, como diabetes ou esclerose lateral amiotrófica ou lesão de medula ou outras doenças neurológicas, musculares e hepáticas. Elas serão extremamente importantes no estudo dos defeitos genéticos que levam a outras doenças humanas mais complexas.

Folha - Por exemplo?
Macklis -
Alzheimer. Parkinson. O argumento de que seria muito difícil usar essas células para tratar Alzheimer e Parkinson não é o ponto, O ponto é que muitas dessas doenças têm uma componente genética, e uma forma de estudar isso é estudar o resultado de anomalias genéticas em células humanas, e células-tronco embrionárias humanas são a forma mais direta e poderosa de fazer isso. Eu não falo isso de um ponto de vista egoísta. Meu laboratório trabalha com células adultas. Mas, de um ponto de vista de conhecimento científico mais amplo, a mesma biologia aparece em todas essas maneiras complementares de estudar doenças humanas e apontar para terapias.

Folha - O sr. quer dizer que não há esperança de tratar Parkinson e Alzheimer usando células-tronco?
Macklis -
Não, eu não disse que não há esperança. Esses são os objetivos de mais longo prazo. Alzheimer é um objetivo de muito longo prazo, e Parkinson é intermediário. Eu acho que células-tronco serão aplicáveis diretamente a Parkinson. Acho que será mais difícil e, possivelmente, vai demorar mais décadas para que isso seja obtido em relação ao mal de Alzheimer, mas trabalhos com animais têm mostrado que é pelo menos possível pensar nisso. Acho que, nos próximos sete a dez anos, haverá aplicações mais diretas a outras doenças neurodegenerativas, como esclerose lateral amiotrófica, doença de neurônio motor, lesão de medula e outras doenças neurodegenerativas.

Folha - Sete a dez anos?
Macklis -
Eu acho que esse trabalho levará 10, 20, 30, 50 anos, dependendo da complexidade. Mas as doenças menos complexas, as que têm a ver com a restauração de alguma função motora imperfeita, como controle de bexiga em pacientes com lesão de medula, acho que vamos abordar esse problema clinicamente na próxima década. Eu acho que conseguir o circuito completo, no caso do mal de Parkinson, pode levar mais tempo. Pode acontecer na década seguinte. Mas acho que, no caso do mal de Alzheimer, no qual circuitos de linguagem do cérebro estão envolvidos, é algo mais para a frente, porque vamos precisar entender tudo muito bem. Mas há outras aplicações em Alzheimer e Parkinson além dessas terapias. E elas são entender a base genética da doença, e isso pode levar a prevenção ou a outras medicações.

Folha - O ator Christopher Reeve defende as células-tronco como uma esperança para ele, e soa como se isso fosse acontecer num futuro próximo. Ele está vendendo uma promessa falsa?
Macklis -
Eu acho que as afirmações iniciais dele, de que ele iria voltar a andar devido a essas terapias em dez anos ou algo assim, foram feitas com base em uma visão entusiástica, mas não completamente informada. Mas eu acho que Christopher Reeve disse apropriadamente que essa direção de pesquisa vai levar a terapias. Pode ser que pessoas em cadeiras de rodas não se levantem para dançar balé ou correr maratonas -acho muito, muito, muito improvável-, mas pode ser que algumas possam usar muletas ou ter algum controle de bexiga. A maior reclamação de pessoas com lesão de medula não é ser deficiente, mas sim ser dependente. E devolver a essas pessoas controle de bexiga, por exemplo, seria uma mudança radical.

Folha - O seu grupo mostrou que células-tronco adultas existem no cérebro e podem ser cooptadas para desempenhar funções de alto nível, como aprendizado, sem esse dilema ético que envolve embriões. O sr. acha que há células adultas no resto do corpo?
Macklis -
Nós podemos encontrar essas células e trabalhar com elas em camundongos. Nós esperamos, e temos descoberto, que elas existem em humanos. Mas para entender como controlar as células para fazer a coisa certa, não podemos usar uma abordagem só. Precisamos entender muitas fases iniciais do desenvolvimento e, para isso, o uso de células embrionárias é único.

Folha - O quão grande é o retrocesso imposto pela administração Bush à pesquisa na área?
Macklis -
Muitos laboratórios que fazem esse tipo de trabalho precisam construir instalações completamente separadas. Porque o financiamento do governo dos EUA através dos NIH [Institutos Nacionais de Saúde] inclui custos de infra-estrutura, que pagam pelo prédio, pela eletricidade, pelo gás etc. Da forma como a lei foi interpretada, não se pode usar instalações que tenham qualquer custo de infra-estrutura associado aos NIH. Douglas Melton [pesquisador de Harvard que está produzindo linhagens para distribuir], até onde eu sei, teve de montar um laboratório totalmente independente no porão de um prédio vizinho, no qual a instituição pudesse mostrar que aquele espaço não recebeu nenhum apoio do governo.

Folha - O sr. não acha que as células-tronco serão uma repetição do fiasco da terapia gênica?
Macklis -
Os problemas com a terapia gênica são exatamente o que nós queremos evitar. Você não pode prometer muito para muito cedo. Então, deveríamos estimar que esses problemas levarão décadas para serem resolvidos, mas nós chegaremos lá. Eu também acho que testes clínicos não deveriam ser feitos prematuramente só para mostrar a alguns políticos que o campo está avançando. E, daqui a 30 anos, acho que o mundo julgará que foi correto desenvolver esse campo.
 
 

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