No dia 30 de setembro de 2002, um caseiro gaúcho conhecido como "Garnisé" aproveitou a pouca vigilância do patrão e furtou da propriedade, em Porto Alegre, cinco galinhas e dois sacos de ração. Embora tenha devolvido as aves e a ração furtadas, nos oito anos seguintes o fato mobilizou o moroso Judiciário brasileiro.
"Garnisé", então com 26 anos, foi denunciado em 2006 sob a acusação de "subtrair coisa alheia móvel" (artigo 155 do Código Penal). O crime é passível de pena de um a quatro anos de prisão e multa. A ação penal contra ele somente veio a ser trancada em novembro último pelo Supremo Tribunal Federal.
Contrariando parecer do Procurador-geral da República, a 2ª Turma do STF acompanhou, por unanimidade, o voto do ministro Ayres Britto do STF, que reconheceu a "inexpressividade econômica e social" do furto. E mais: ressaltou que a coisa furtada já havia sido devolvida.
Ayres Britto entendeu que não era o caso de "se mobilizar a máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa" do Judiciário, para, afinal, "não ter o que substancialmente proteger ou tutelar", pois as penosas e a ração haviam sido restituídas.
PONTOS POLÊMICOS
Dois pontos polêmicos provocaram a longa tramitação. Inicialmente, uma juíza gaúcha recebeu a denúncia. Depois, outra magistrada, após interrogar "Garnisé", rejeitou a denúncia, com base no princípio da insignificância (ou seja, seria um crime de bagatela, fato que não constitui infração penal).
O Ministério Público apelou, pois entendeu que a juíza não poderia ter antecipado a absolvição. O Tribunal de Justiça gaúcho anulou a decisão da juíza.
A Defensoria impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. No entanto, a 5ª Turma considerou que a conduta de "Garnisé" não poderia ser considerada irrelevante para o direito penal.
Os dois sacos de ração e as cinco galinhas foram avaliados em R$ 286. O STJ decidiu que, no caso de furto, "não se pode confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante".
Ou seja, o furto cometido por "Garnisé" não poderia ser considerado bagatela.
Essa controvérsia foi dirimida pelo ministro Ayres Britto. Ele viu na conduta do caseiro "muito mais a extrema carência material do paciente do que indícios de um estilo de vida em franca aproximação da delituosidade".
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