De cada quatro notificações de violência sexual registradas em Mato Grosso do Sul, três têm como vítimas crianças e adolescentes. Esse e outros dados que dimensionam a gravidade do problema intensificam a necessidade de ações de enfrentamento a essa violação de direitos. Neste mês, de modo especial, são fortalecidas essas ações, em razão do “Maio Laranja”, campanha instituída, em nível estadual, pela Lei 5.118/2017. Essa normativa se soma a outras ações da Assembleia Legislativa (ALEMS) na proteção das crianças e adolescentes.
A escolha do mês se relaciona ao 18 de Maio, instituído pela Lei 9.970/2000 como o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Essa lei, que completa um quarto de século neste ano, continua imprescindível, assim como as normativas que a ela se associam, sobretudo a relativa à campanha Maio Laranja. Isso é atestado pelos números que, mesmo não abarcando toda a realidade e se limitando aos casos registrados, já são alarmantes.
Arte: Luciana Kawassaki
Conforme o Ministério da Saúde, com base no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), foram registrados, de 2020 a 2024, 3.177 casos de violência sexual em Mato Grosso do Sul. Desse total, 2.398 tiveram como vítimas pessoas de zero a 19 anos, o que corresponde a 75% do total das notificações. Ou seja, crianças e adolescentes representam três de cada quatro casos de violência sexual cometidos no estado. Das 2.398 vítimas crianças e adolescentes, 2.901 (87,2%) eram meninas.
Mato Grosso do Sul também é o estado brasileiro com a maior ocorrência, em números relativos, de estupros de crianças e adolescentes. Conforme o último Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes (2021-2023), publicação da Unicef em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram registrados 2.215 estupros de pessoas de zero a 19 anos no estado em 2023. Com isso, a taxa de estupro de criança e adolescente em Mato Grosso do Sul foi de 275,1, a maior do país e muito acima da média nacional (116,4). Nos dois anos anteriores, as taxas sul-mato-grossenses também foram as maiores do país.
Os dados do documento da Unicef e do FBSP são estatísticas criminais, baseadas em registros da polícia de estupros e de estupros de vulnerável. Já o Sinan usa notificações feitas por profissionais da saúde durante o atendimento à vítima. Os números do Panorama são muito maiores que os do Sinan: em 2023, por exemplo, foram registrados, em Mato Grosso do Sul, 2.215 estupros de crianças e adolescentes (Panorama) e 648 notificações de violência sexual cometida contra o mesmo público (Sinan). Ou seja, parcela considerável das vítimas que procuram a polícia não é atendida pelos serviços de saúde.
Não apenas a sexual, mas a violência de modo geral é mais acentuada em se tratando de crianças e adolescentes. É o que mostram os dados do Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Em 2024, foram contabilizadas 10.085 denúncias de violações originadas em Mato Grosso do Sul. Desse total, 4.709 ou 40,17% são referentes a violências praticadas contra crianças e adolescentes. Na sequência, estão violência contra a pessoa idosa (2.801), contra a mulher (1.509), contra a pessoa com deficiência (1.345) e os demais grupos.
Pensando os números
Estela Rondina Scandola, pesquisadora do SUS e da ESP
(Foto: Arquivo pessoal)
Para melhor compreensão dos significados das estatísticas, a reportagem pediu a contribuição da assistente social e professora Estela Márcia Rondina Scandola, doutora em Serviço Social e pesquisadora do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Escola de Saúde Pública (ESP), com larga experiência em ações e estudos sobre a violação de direitos sexuais de crianças e adolescentes
De acordo com a especialista, há uma relação inversamente proporcional entre idade e quantidade de denúncias: quanto maior a idade menor o número de notificações. “Não significa que são menos violências. Significa que a sociedade vai sendo mais permissiva à violência de acordo com a idade”, explica Estela. Isso é um dos fatores centrais da concentração de denúncias de violência sexual em crianças e adolescentes. “No caso da violência sexual contra meninas, conforme a idade vai aumentando, cresce na sociedade a culpabilização dessas vítimas”, acrescenta.
Também concorre para que os números da violência sexual de crianças e adolescentes sejam muito maiores que entre os adultos o fato de a sociedade ter comportamento julgador mais severo quando as vítimas têm menos idade. “Há maior visibilidade das crianças menores. E nesses casos, a sociedade é mais condenatória dos violadores”, nota Estela.
Essa observação se relaciona, segundo a assistente social, a outro dado, o relativo ao quantitativo maior de notificações no sistema policial que no de saúde. “Quando ocorre uma violência, o primeiro pensamento das pessoas é que isso deve ser caso de polícia. Não pensam que isso é um caso de proteção das pessoas”, afirma. “A importância social da vítima tem que se sobrepor à importância da coleta de provas, da prisão do violador. Não significa que os violadores não serão responsabilizados, mas significa que essas meninas e esses meninos precisam, primeiro, ser acolhidos, atendidos no seu sofrimento. A proteção das crianças precisa ser considerada anteriormente à responsabilização”, defende a especialista.
Outro dado analisado pela pesquisadora é a prevalência de meninas nas denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. “Desde os anos 90, os dados indicam em torno de 80% de meninas e 20% de meninos. É um dado indicativo de que meninas são mais exploradas sexualmente. Derivam daí dois problemas que o movimento da infância tem dificuldade de enfrentar: o machismo e o heterossexismo”, pontua Estela.
Em relação ao machismo, a pesquisadora afirma que é esse o cerne o problema. “Quando os meninos são vítimas de violação, a sociedade passa a considerar que esse menino possa se tornar homossexual. Então, o heterossexismo atua junto com o machismo na não denúncia da violência sexual contra meninos”, analisa.
Clique aqui e confira as análises da pesquisadora Estela Scandola na íntegra.
Meninas representam 87% das denúncias de violência sexual cometida contra crianças e adolescentes em Mato Grosso do Sul
(Foto: Luciana Nassar)
Atuação do Legislativo no enfrentamento da violência sexual de crianças e adolescentes
O enfrentamento das violações dos direitos sexuais de crianças e adolescentes é um processo complexo, que envolve toda a sociedade. Nesse conjunto de promoção e defesa de direitos, o Poder Legislativo tem contribuições fundamentais, entre as quais a de criar e atualizar a legislação e de proporcionar espaço ao debate público.
Capa do "Capivarinhas", livro que trata sobre abuso sexual
Além da Lei 5.118/2017, que institui o Maio Laranja, a ALEMS aprovou outras normativas que visam fortalecer o enfrentamento da violência sexual de crianças e adolescentes. É o caso da Lei 5.899/2022, de autoria do deputado Antonio Vaz (Republicanos), que assegura atendimento assistencial e psicológico, pelas instituições de ensino superior estadual, aos estudantes vítimas de violência sexual.
Os deputados estaduais também aprovaram, há três anos, a Lei 5.938/2022. De autoria do então deputado Barbosinha, a normativa obriga hospitais, clínicas e postos de saúde públicos e particulares a comunicar à autoridade policial, no prazo de 24 horas, indícios ou confirmação de violência contra mulheres, idosos, crianças e adolescentes.
Outro exemplo do empenho do Legislativo no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes é a mudança na Constituição Estadual por meio da Emenda Constitucional 87/2021. De autoria dos deputados Coronel David (PL) e Zé Teixeira (PSDB), e subscrita por mais sete parlamentares, essa Emenda alterou dispositivo da Constituição para proibir a nomeação para cargo efetivo ou em comissão de pessoa condenada por crime contra a mulher, idoso e contra a dignidade sexual de criança ou de adolescente.
O assunto também é tratado em um dos livros digitais produzido pela Comunicação da ALEMS. Trata-se do livro “Capivarinhas não estão sozinhas: uma história de amizades”, publicação que deu início à coleção “Cidadania é o bicho”. Qualquer pessoa pode acessar e baixar o livro (clique aqui). O material pode ser usado, por exemplo, em atividades por professores, psicólogos e outros profissionais que trabalham com crianças. A coleção "Cidadania é o bicho" aborda, em linguagem para crianças, questões relativas aos direitos humanos e à cidadania. Os personagens são sempre animais do Pantanal. Para acessar todos os livros, clique aqui.
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