Terra | 26 de novembro de 2009 - 07:30 BRASIL

Sem políticas públicas, migrações geram "exilados internos" no Brasil

Goianésia fica no coração do Brasil. Próxima a Goiânia e Brasília, possui pouco mais de 53 mil habitantes. É vista como um pólo de desenvolvimento baseado na indústria sucroalcooleira e, principalmente, nas expectativas geradas pela expansão da extração e processamento de minérios.

Na vizinha cidade de Barro Alto, a Anglo American está construindo uma indústria de processamento de níquel, cuja implantação envolve 1.600 trabalhadores, somente da construção civil. Para a cidade de 6.500 habitantes, o emprego de tal número de trabalhadores só pode ser preenchido pela migração.

Além disso, ainda em Barro Alto, há o projeto do Grupo Votorantim para a extração e processamento de alumínio.

Essas notícias desenvolvimentistas são promissoras para as populações locais, mas preocupa um deles, Vanderley Borges, morador de Goianésia. Ele aponta para os efeitos perversos da migração sem planejamento e sem apoio dos governantes. Alerta para a perda de referências por parte dos trabalhadores migrantes, cuja escala de valores pode ser invertida tornando o "ganhar dinheiro" o único objetivo de suas vidas.

Esses trabalhadores, segundo Borges, poderão transformar-se em novos brancaleones. "Para a maioria, os salários são baixos. Um dia eles não mais se prestarão para o serviço, vão voltar para as suas cidades e não encontrarão as antigas raízes. Ou ficarão encostados em alguma dessas cidades, à margem da sociedade", afirma.

Borges lembra o que aconteceu com a antiga São Simão, cidade submersa pelas águas da usina hidrelétrica construída pela Cemig - Centrais Elétricas de Minas Gerais na década de 1970. Durante a construção da usina, até 1978, a cidade saltou de três mil a mais de 20 mil habitantes. Terminadas as obras, acabaram-se os empregos. As casas dos trabalhadores construídas pelas empreiteiras foram doadas pela prefeitura local que as colocou à venda por preços mínimos, mas de aquisição impossível aos seus moradores desempregados e sem perspectivas de trabalho. Eles reemigraram. A cidade recuou. No final das obras, constavam sete mil habitantes. Foi transplantada.

Mas o desemprego continuou se expandindo. Os fazendeiros locais compraram as casas pelos preços reduzidos - três mil reais nos valores atuais, segundo Borges - para repassá-la aos trabalhadores rurais agregados como forma de indenização pelas demissões. Seria melhor dizer, expulsões. "Esses trabalhadores e suas famílias foram levados às novas moradias e abandonados à própria sorte. O resultado foi o surgimento de um corredor de miséria que levou mais de 13 anos para ser amenizado", enfatiza Borges.

Vanderley Borges acredita que não haverá problemas nessas proporções em sua cidade e em Barro Alto. Mas já observa as transformações, principalmente o preconceito. A criminalidade aumentou e muitos acertos de contas pelas pessoas locais são atribuídos aos que vêm de longe. A população local irrita-se quando não consegue entrar nas agências bancárias em dia de pagamento. "O chão dessas agências fica cheio de barro trazido pelos pés dos trabalhadores da construção civil. Mas é necessário conviver com situações como essa. Temos de entender e aceitar os novos habitantes. São gente como nós. Seria bom que o governo criasse políticas públicas para tratar assuntos como esse", afirma Borges.

"Mas o que esperar dos nossos políticos?", acrescenta desanimado.

Borges acertou em cheio: políticas públicas. Afinal, não são apenas o desenvolvimento e os empregos que devem ser expandidos e democratizados. Há de se pensar no reassentamento dos trabalhadores urbanos e de suas famílias. Não são somente os migrantes internacionais que sofrem as rupturas culturais, sociais e familiares. Sem políticas públicas para absorver os impactos das migrações internas, geramos os nossos "exilados internos", os "estrangeiros nacionais".

As políticas públicas não devem ser direcionados apenas para os recém-chegados mas principalmente para as cidades onde encontram trabalho, de forma que as populações locais superem o estranhamento em relação a esses "estrangeiros nacionais". As regiões escolhidas como pólos de desenvolvimento devem ser dotadas não somente de ambientes físicos - moradias, luz, água, esgoto - como também de estruturas simbólicas aos quais os nossos migrantes possam ter acesso, na ida e no retorno.

As metrópoles brasileiras já conhecem esses processos de deslocamento. Seus albergues estão repletos de estrangeiros. Alguns deles caracterizam-se pela constante mobilidade, reconhecendo-se como "trecheiros". Destacam-se entre os outros estrangeiros, mesmo os considerados mais estranhos, como os africanos e asiáticos que vêm de países cujos nomes e idiomas não conseguimos guardar na memória.

Os nossos "trecheiros" saíram esperançosos de seus lares em busca de trabalho, de reconhecimento e de sucesso. Não alcançando o que almejam ou não se adaptando às grandes cidades, retornam à terra natal. Mas já perderam os seus lugares de origem. As famílias não os recebem de volta. Pegam a estrada novamente. De albergue a albergue, de cidade a cidade, em contínuos deslocamentos. Paradoxalmente, portando a cultura brasileira, falando o português, eles se constituem nos mais estrangeiros dos estrangeiros.