Leia o artigo "Prefácio Para a Fé" por Gilberto Mendes
PREFÁCIO PARA A FÉ
A distância para a igreja de onde estava, não era assim tão grande, mas compreendia um belo trecho. Eu, sentado dentro do carro, aguardava um amigo, assistia a vida que passava. A senhora surgiu de repente, a acompanhei desde o primeiro instante, vinda de não sei onde. Então, ficou parada no centro da rua. Nunca soube e nem saberei se ela sabia que eu estava ali, tão próximo a ela. Estava oculto dentro do carro, pensando na vida, prisioneiro dos temores das muitas decisões que tinha de tomar.
Observei a mulher, instintivamente. Veio caminhando lentamente, até chegar ao centro da rua, bem de frente a igreja. Parou, olhou para o céu solenemente. Levantou o braço direito à altura do rosto, a mão espalmada. Persignou-se respeitosamente. Voltou a estender a mão espalmada para a igreja, olhou para o céu, persignou-se novamente. Repetiu esta ação, uma terceira vez. Depois, olhou para a igreja com carinho e voltou para o seu caminho, andando lentamente, pois para ela, as urgências tinham outro sentido e significado, distintos dos meus, distintos das do restante do mundo.
Tentei entender a cena, cheia de significados e simbologias. Tento aprender com as lições que a vida, diariamente, me oferece. Não sou agnóstico. Não sou hedonista, destes que colocam a satisfação material como primeiro plano em suas vidas tacanhas; fundamento minhas relações e ações cotidianas no temor e no amor a Deus. Contudo, diante daquela senhora e sua fé inabalável; diante daquela senhora e seu respeito a Deus; diante daquela senhora e sua determinação e confiança na vida; diante daquela senhora e sua humildade; diante de tudo isso, senti-me pequeno, pobre, arrogante, devedor. Voltei meus olhos para a igreja, as portas estavam fechadas, mas, sem entender como, senti uma energia vindo dela, me apoderando, me acalentando, me dando forças. Nós nunca sabemos quando o grande milagre irá acontecer, o milagre que nos põe face a face com Deus. Tudo fica mais fácil quando nosso olhar se volta para o que é realmente importante nesta vida, e o fundamental está na construção do amanhã que fazemos hoje. Aquela senhora sabia disso. Ela sabia que este mundo é o maior de todos os templos, que nossas ações no cotidiano é a maior de todas as orações e que nossa vida não pode estar divorciada de Deus. De repente, a vida me ficou menos urgente. Todas as esperas abreviaram-se. Percebi que fora abençoado com uma resposta, e todas as respostas devem ser louvadas. Eu compreendi a senhora e todo o seu ritual de fé, e o porque de seu semblante tranqüilo. Nesse momento sorri, não com a face, e sim com a alma. Sorri não para os homens, e sim para Deus, e meu sorriso iluminou-me com uma luz amorosa. Fui interrompido em minhas meditações e preces pelo companheiro que chegava e chamou-me a atenção para minha “cara esquisita”.
“É que eu vi um anjo!” Respondi.
O sujeito riu as gargalhadas zombando de meu anjo que, para ele, trajava decotes agressivos e mini-saias ousadas.
Pobre tolo, pensei, existem mais coisas no mundo que decotes e mini-saias ousadas. E fui embora, pensativo, absorto nas coisas de Deus....Nas maravilhosas coisas de Deus!