28 de agosto de 2007 - 11:14

Crônica "Por Um Copo D'Água Gelada" por Gilberto Mendes

POR UM COPO D’ÁGUA GELADA...

 

por Gilberto Avelino Mendes

 

O rapaz encostou a mão nas grades; o corpo, todo ele, escorado na parede de concreto, fria parede de concreto. Olhou à sua frente, mais paredes; ao seu lado, mais grades; estava parado no grande corredor de cadeia, a longa estrada que encaminha todos os sonhos ao cárcere.

Olhei para os seus olhos, ele estava abatido; reclamou de dores aqui e ali. Percebi que o físico não doía tanto assim, seu abatimento, seu maior martírio era n’alma, a cadeia destrói os espíritos antes de arrebentar com os corpos.

Enquanto aguardava a enfermeira, ficou ali, conforme lhe foi ordenado, nesta espera casual, nesta fresta da grande expectativa pela liberdade. Estas pequenas lacunas no cotidiano entre grades são muito valorizadas na cadeia, elas dão importância ao seu protagonista, qualquer coisa, por mais tola que pareça, que quebre a rotina enclausurada, é festejada.

Com algum cuidado, passou o olhar pelo ambiente: a um canto qualquer, as velhas e puídas cadeiras, e ainda tão úteis; sobre uma carteira escolar aposentada forçosamente, alguns papéis para anotações e uma caneta; os agentes todos espalhados, atentos, absortos nos movimentos da cadeia, esquecidos de suas próprias vidas; recostado à parede, a garrafa plástica com água gelada. De tudo o que viu, notei, seus olhos pousaram excitadamente sobre a água gelada. Fixou-se nela em um flerte estranho. Conversou comigo, banalidades. Algumas informações lógicas, algumas efemérides gastas, todas recepcionadas com a alegria alvissareira de novidade, vive-se tempos onde o mundo exterior não alcança este lugar perdido com seus espectros tecnológicos. A cadeia não faz parte mesmo deste mundo, existe em uma outra dimensão.

Depois destes preâmbulos verbais, instrumentos que prepararam o caminho à grande investida, ele pediu-me um copo d'água gelada. Pareceu comum, mas não o foi. O pedido saiu com tons de apelo, uma súplica justificada pela longa estiagem de sorver um gole d’água gelada. O atendi e ele pegou o pequeno copo descartável como se tomasse em suas mãos o cálice sagrado, o Graal. Bebeu o primeiro gole, com idolatria; o segundo, foi com os olhos fechados como se assim sentisse mais intensamente a temperatura da água, como se dessa forma a sensação prolongar-se-ia indefinidamente. Até um simples copo d’água gelada pode servir de catalisador para grandes emoções na cadeia, que mundo miserável este que nos furta a rotina da simplicidade, que nos cerceia destas pequenas felicidades que no mundo comum, não valorizamos.

Ao tomar a água agradeceu, não por protocolos ou obrigação, agradeceu com sentimento de gratidão sincera, vi isso em seu olhar!

Aprendemos muita coisa na cadeia e, a maioria destas coisas, é descartável, todavia, naquele dia, este interno e um simples copo d’água gelada renovaram-me uma antiga lição que aprendi com Cecília Meirelles: a felicidade vive mesmo nas pequenas coisas....

 

 

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