Ensino Público vive "apagão" na pandemia com alunos sem acesso às aulas on-line
Após pouco mais 100 dias de suspensão das aulas presenciais, levantamento do G1 junto às secretarias estaduais de educação aponta que 15 dos 25 estados que implantaram o ensino à distância monitoram a adesão às aulas do ensino remoto.
Após pouco mais 100 dias de suspensão das aulas presenciais pelo país para conter a pandemia do coronavírus, um levantamento do G1 junto às secretarias estaduais de educação aponta que 15 dos 25 estados que implantaram atividades à distância monitoram a adesão dos estudantes ao ensino remoto. Os índices mostram também que as aulas on-line não são acompanhadas por todos os alunos.
Isso significa que, apesar dos esforços das redes, parte dos estudantes pode não ter acesso à educação na pandemia. As razões são várias – e incluem falta de estrutura em casa, de computadores ou de conexão. A alternativa para os alunos é recorrer às atividades impressas ou à transmissão por outras mídias, como TV aberta ou via rádio. Nesses casos, também é difícil mensurar quantos estudantes estão efetivamente assistindo ao conteúdo.
Quase 4 meses após a suspensão das aulas presenciais, o balanço do G1 aponta que:
Os dados não apenas revelam um "apagão" do ensino público na pandemia – eles acendem o alerta quando se observa que a maioria dos estados vai adotar as aulas remotas como equivalentes às aulas presenciais.
Na prática, isso quer dizer que as "horas de tela" vão contar como tempo em sala de aula no ano letivo. A medida está autorizada pelo Ministério da Educação (MEC) desde o início de junho.
Por que é importante monitorar o ensino remoto?
Ainda assim, o monitoramento atual não descarta a necessidade de uma avaliação mais consistente quando for seguro voltar às aulas, afirma Henriques. Para ele, os dados mostram que a falta de acesso ao ensino remoto torna ainda mais visíveis as desigualdades na educação.
"Uma coisa é acessar a plataforma; outra é ter condições materiais de estudo – ter uma mesa, um espaço silencioso, bem iluminado, por exemplo", explica.
Aulas remotas equivalem às presenciais em 20 estados
O balanço do G1 aponta que 20 estados e o DF vão computar o ensino remoto como aula dada. Desses, pelo menos 8 não estão avaliando a aprendizagem:
Aulas remotas não chegam a todos
Ainda assim, mesmo nos estados que declaram ter aulas remotas, nem sempre elas são ofertadas a todos ou estão acessíveis desde o fechamento das escolas.
Em Sergipe, essa modalidade foi implementada em 15 de junho; no Tocantins, em 29 de junho, mas somente para os estudantes do terceiro ano do ensino médio. No Rio Grande do Sul, as escolas da rede estadual estavam adotando o ensino remoto cada uma ao seu modo e, agora, o governo pretende unificar as iniciativas.
No Maranhão, 24% das escolas não têm atividades remotas. Entre os alunos das escolas com esse tipo de ensino, 21% não tinham acesso ao conteúdo.
A professora Priscila Vieira, citada no início desta reportagem, afirma que também precisou se adaptar.
“Tive de passar meu celular privado para os alunos tirarem dúvidas, que era algo que eu não fazia. A educação também se dá por afeto. Então, nesse período, fica mais difícil. Estamos tendo de aprender diariamente como dar a aula à distância. A gente está se reinventando”, disse.
Avaliação dos alunos no ensino remoto
O balanço do G1 aponta que:
Em Santa Catarina, haverá a revisão de conteúdos quando as aulas voltarem, especialmente com quem não conseguiu acessar os materiais disponíveis. Enquanto o retorno não ocorre, as atividades remotas valem hora-aula e devem contar para o ano letivo de 2020. Na rede estadual, os alunos são avaliados pelas atividades entregues e de acordo com o planejamento dos professores.
No Maranhão, os alunos ainda não são avaliados – isso deve acontecer apenas no retorno das aulas presenciais, segundo o governo.
'Escala' para usar internet
Quando o foco sai da escola e vai para dentro das casas dos alunos, as realidades de cada família também interferem no acesso ao conteúdo remoto.
Em São Paulo, Raquel Chaves teve de estabelecer turnos de estudo para que seus quatro filhos consigam acompanhar as aulas on-line.
Salas de aulas virtuais esvaziadas
Em SC, após três meses de ensino remoto, a Secretaria de Educação do Estado notou uma diminuição na frequência de atividades e, por isso, lançou uma campanha para incentivar os alunos, famílias e até os professores na continuidade das tarefas.
No RJ, uma professora de Macaé conta que há pouca procura dos alunos no ambiente virtual. “Eu fico on-line na plataforma, preparo os materiais, seleciono textos, artigos, vídeos, preparo e coloco, mas o aluno não dá retorno.”
Da turma de 45 estudantes, apenas "dois ou três" estão on-line na hora da aula. “As atividades são postadas, são colocadas, mas o aluno não tem acesso”, conta.
O mesmo ocorre em Mogi das Cruzes (SP). O professor Everaldo Andrade afirma que é baixa a adesão no horário da manhã, em que ele trabalha.
"Está todo mundo confuso. A gente esperava dificuldade com equipamentos e tecnologia de pelo menos metade dos alunos, mas a outra metade tampouco está frequentando. E, da metade que se logou, 80% não entregam as atividades propostas”, afirma.
Sabrina Luz, mãe de um vestibulando do Rio, conta que as escolas tentam engajar os alunos, mas o resultado pode ser ainda mais excludente.
Para o professor de história e filosofia de SP Álvaro Dias, à medida que o número de alunos que assistem às aulas cai, a escola deixa cada vez mais de cumprir seu papel, e o ensino a distância se mostra cada vez menos inclusivo.
"Desde o começo do isolamento social e com o ensino remoto, a experiência do ensino à distância não conseguiu alcançar os resultados esperados e percebe-se um esvaziamento no processo. Seja pela falta de estrutura, pela falta de planejamento e de investimentos adequados em inovação tecnológica ou pelo excesso de atividades e conteúdos propostos. Os alunos têm demonstrando há um bom tempo desânimo, desinteresse, reduzindo drasticamente a participação nas plataformas do ensino remoto”, afirma.