ARTIGO - POR LUCIANO GAZOLA - Ele tinha quase oitenta anos quando o conheci. Homem simples, dedos cortados do tempo em que a serra era sua ferramenta de trabalho. Rugas e a pele bem queimada do sol do MS. Os cabelos eram brancos como a neve, mas quase sempre se escondiam embaixo de um chapéu velho de couro cru igual o do Lampião. O rosto sempre a mostra, cabeça erguida de quem se considerava um vencedor. 

 

O sorriso não faltava nunca, mas revelava dentes a menos, mesmo assim não deixava de sorrir, tinha um riso fácil, encantador. 

 

Era um homem contente. 

 

Criou as 6 filhas mais o caçula com muita simplicidade, mas sempre em volta, sempre perto. Dizia que os netos estavam todos encaminhados, menos o João que com 15 anos queria ser jogador de futebol, contava e gargalhava batendo as mãos nos joelhos e ainda é corintiano o miserável.

Sua casa de madeira sem pintura se destacava por não ter nenhum cartaz de político na parede. A vila toda estava cheia de propaganda.

 

Eu, ainda solteiro, quase teólogo, fui motivado por alguém da família pra evangelizar o velho homem. Me lembro como se fosse hoje, uma cuia de água morna misturada com “mato” e erva que ele chamava orgulhosamente de chimarrão, uma afronta aos mates lá do Sul. Aos poucos o amargo daquele chá ia se perdendo no meio das doces histórias que o velho homem me contava.

 

Perguntei se podia ler pra ele a Bíblia.

 

Claro meu jovem, a Bíblia é um livro muito bonito, eu gosta dela. Mas sabe menino, aprendi muito sobre Deus olhando para as pessoas. Minhas filhas,  observe elas, a Maria é a mais inteligente, eu sempre soube disso mas o que ela não sabia era usar essa inteligência a favor das outras meninas. A Amanda, a Amanda sempre foi a mais forte, mas adianta ter força só pra ela? Eu mostrei pra cada um dos meus filhos suas forças e suas fraquezas e eles aprenderam que se andassem juntos seriam imbatíveis. E são. Eu sou um homem muito abençoado. Todos eles andam juntos como um corpo. Já pensou o braço ficar brigando com a perna? O corpo tem que “ornar” meu jovem.

 

Eu acho que é isso que Deus espera de um homem, se Ele mandou a gente procriar, devemos fazer com que nosso filhos sejam solidários, sejam um do outro. 

 

Nós não ficamos ricos. Mas tem tanta gente rica que não senta na mesa do irmão. Não é verdade meu jovem? 

O meu caçula tá quase rico disse ele sorrindo, mas tá sempre aqui, todo domingo ele almoça com a gente, ele paga os estudos dos sobrinhos, disse falando baixinho. 

A Ana? A Ana vai na igreja, ela gosta e eu gosto que ela vá. Eu acho que o povo se ajuda lá, devem ser um corpo quinem nós somos aqui.

E eu? Eu não li a Bíblia pra ele aquele dia, ele de alguma forma tinha me feito entender Coríntios 13.

De fato Deus é maior do que a religião.

 

*Luciano Gazola, teólogo, comerciante e professor.

 

Uma ficção pra tentar explicar um Deus maior que a religião.

 

E-mail: luciano.gazola@gmail.com