Extra | 6 de dezembro de 2017 - 13:24 Vide Vida Marvada

Mulher que sonha achar filho perdido constrói casa com lixo sob viaduto no Rio

Sandra construiu casa sob viaduto Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

Sandra Amaro de Oliveira Nascimento não aparenta seus 46 anos de vida. O rosto marcado é de quem já viveu de tudo. Sempre na rua. Engravidou aos 10 anos, começou a se prostituir aos 15, venceu o vício em crack aos 45. Nunca estudou. Não aprendeu a ler ou escrever mais do que o nome. Depois de tudo, qualquer coisa na mão dela vira uma casa. Objetos largados como lixo tornam-se mobiliário e peça de decoração. No último ano, montou um quarto completo, com cozinha acoplada, debaixo do Viaduto São Cosme, em Ramos — onde vive com o marido e dois cachorros, Moisés e Diogo. Só falta um teto. O drama é comum a quase 15 mil pessoas que vivem nas ruas do Rio, número três vezes maior do que o dado anterior, de 2014.

 

 
 

Arranjo de flores enfeitam o lar Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

 

— Tem tudo aqui. Mas meu sonho é ter uma casa mesmo. Aqui, quando chove, molha tudo dentro — conta. — Fui eu que construí sozinha. Não repara a bagunça.

A casa demorou uma semana para ser “erguida”. Pedaços de madeiras e ferro, presos com pregos e fios formam as paredes. No cômodo, há dois televisores: um parou de funcionar no último mês por causa do desligamento do sinal analógico; outro já está ligado a uma antena de TV digital. Num cantinho, o pequeno fogão a gás.

Do lado de fora, o material de reciclagem que ela recolhe e vende, legumes doados por um sacolão recebidos em troca de faxina e três sofás. Num deles, Moisés, preso pela coleira, late sem parar. No outro, Diogo dorme.

 

Casa é sob viaduto Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

 

— Ele fica o dia todo assim. Não é, Diogo? — grita Sandra ao cão, que só muda de posição.

O aumento da população de rua, segundo o secretário municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, Pedro Fernandes, se deve principalmente à crise econômica:

— Associado a isso, tem um fator de crescimento da população usuária de drogas. E muita gente que veio para o Rio achando que seria a nova Barcelona com as Olimpíadas. Então, 30% são moradores de rua vieram de outros estados e até países.

O caso de Sandra é acompanhado de perto.

— Ela tem o desejo de morar no abrigo, mas o marido não permite. Estamos acionando um núcleo para fazer um trabalho com ela e com ele. A gente não pode tirar da rua à força — explicou a subsecretária de Integração e Cidadania, Jocimara Theodoro.

 

Casa tem duas TVs Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

 

Sonho é achar o filho

Muito antes de Moisés e Diogo entrarem na vida de Sandra, o amor da vida dela era Robson, seu primeiro filho. Ela tinha só 10 anos quando engravidou do namorado, de 15. Por isso, fugiu para o Rio. Dois anos depois, o pai levou ele para São Paulo. Sandra nunca mais o encontrou. Seu nome completo ela não esquece: Robson de Oliveira Nascimento.

— Ele deve morar em São Paulo. Sonho encontrá-lo e em sair da rua — diz a mulher.

Depois de Robson, foram mais seis filhos. Nenhum mora com ela. As duas caçulas moram com a sogra. Hoje, Sandra tem um companheiro. O homem, no entanto, não conseguiu se livrar do vício — e passa dias sumidos. Quando a reportagem conheceu Sandra, ele estava dois dias desaparecido. Ela garantiu que ele voltará. A mulher também viveu anos consumindo crack. Conseguiu largar o vício há dois anos, mas ainda segue em tratamento no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), em Ramos.

 

Arranjo no quintal Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

 

— Às vezes dá vontade de voltar a usar droga, dá crise. Dá uma coisa sexta-feira, dá vontade de sair. E aí eu vou para o Creas que tem aqui perto. Faço essas flores (mostra um arranjo). Eu quero parar de vez com esse negócio porque ou é cemitério ou é cadeia. E, antes de eu morrer, quero encontrar meus filhos.