O Tempo | 21 de agosto de 2017 - 16:19 Comédia de Luto

O ator e diretor Jerry Lewis morre aos 91 anos, em Las Vegas

Um dos maiores comediantes da história do cinema, o ator e diretor Jerry Lewis morre aos 91 anos, em Las Vegas

Jerry Lewis brinca com a imprensa pouco antes de sua festa de 90º aniversário (Google)

LAS VEGAS, EUA. Conhecido como Rei da Comédia, Jerry Lewis morreu, ontem, aos 91 anos, em sua casa em Las Vegas (EUA). A notícia foi dada pelo jornalista John Katsilometes, do “Las Vegas Review-Journal” e confirmada pelos veículos “Variety” e “The Hollywood Reporter”. A causa da morte do ator e diretor, que deixa seis filhos, não foi oficialmente confirmada, mas, pelo Twitter, a família do comediante disse que ele faleceu “de causas naturais” e com os “familiares por perto”.
Famoso por seu humor estilo pastelão, que levou aos palcos, cinema, rádio e TV, Lewis tornou-se o maior comediante do show biz, numa parceria de sucesso com o ítalo-americano Dean Martin, com quem fez diversos filmes, como “O Meninão” (1955) e “Farra dos Malandros” (1954). Ao longo da primeira metade dos anos 50, a dupla esteve entre as maiores bilheterias do cinema, produziu uma série televisiva de sucesso e virou fenômeno cultural.
A química era simples e forte: o cantor seguro de si e o comediante endiabrado, o polido irmão mais velho e o moleque aloucado. A parceria acabou dez anos depois. Martin se cansou de ser “escada”, e Lewis, que cuidava dos negócios da dupla, estava cansado da relutância de seu parceiro em estender o alcance de suas atividades. A separação provocou comoção popular, além de alimentar o interesse sobre como sobreviveria a carreira de cada um.
Apesar de não desejar a saída do parceiro, Lewis tornou-se o responsável completo por seus projetos, escrevendo, produzindo, dirigindo e interpretando seus filmes. O início foi promissor e alguns de seus primeiros longas (“O Terror das Mulheres”, de 1961, e “O Professor Aloprado”, de 1963) chamaram a atenção da crítica, especialmente a francesa, que o transformou em divindade, passando a discutir seus filmes com profundidade.
Se por um lado o excesso de tapinha nas costas contribuiu para o reconhecimento de seu talento, também o encheu de confiança, o que deixou alguns de seus filmes tendendo ao sentimentalismo. Até que, em 1970, com “Qual É o Caminho do Front?”, o público o abandonou. Suas aparições rarearam e ele só voltou a ser notícia ao estrelar “O Rei da Comédia” (1983), de Martin Scorsese, em um estupendo papel sério, e o sucesso na Broadway com o musical “Malditos Ianques”, em 1995.
Seu humor mais físico foi menosprezado no início entre os colegas norte-americanos, mas o público ia em massa ver os trabalhos do comediante. Ganhou mais prestígio, ironicamente, na Europa, ao ser premiado na França, Itália, Bélgica e Espanha, e ser citado como gênio por diretores de vanguarda na época, como François Truffaut e Jean-Luc Godard.
Filho de artistas profissionais, nasceu Joseph Levitch em 16 de março de 1926, em Newark, Nova Jersey. Sua mãe tocava piano, e seu pai era um arranjador musical. Lewis fez sua estreia aos cinco anos em um hotel no Borscht Belt, o lendário bairro do show business de Nova York, cantando “Brother, Can You Spare a Dime?”.
Ele já havia passado por problemas de saúde ao longo dos anos, antes de sua semiaposentadoria, em Las Vegas. Submeteu-se a uma cirurgia no coração em 1983 e outra para tratamento de um câncer, em 1992. Passou por uma reabilitação, em 2003, para se curar do vício em drogas legais, teve um ataque do coração em 2006 e possuía fibrose pulmonar, uma doença respiratória crônica que exigia remédios poderosos.
No ano 2000, um diagnóstico de meningite espinhal fez sua saúde se deteriorar ainda mais. Mas ele estava determinado a não deixar sua saúde frágil impedi-lo de trabalhar até quando fosse possível. E em 2011, Lewis chegou a trabalhar em uma adaptação de “O Professor Aloprado” para um musical da Broadway. “Tenho que terminar o que comecei”, disse ao “Los Angeles Times”, em entrevista em 2010. “Quero fazer isto antes de partir”, afirmou.
Em 2013, participou, ao lado de Leandro Hassum, do filme “Até que a Sorte nos Separe 2”, de Roberto Santucci. O comediante faz um carregador de malas, papel que já havia interpretado antes no filme “O Mensageiro Trapalhão” (1960), escrito, produzido, dirigido e protagonizado por ele. “É um personagem que eu amo, divertido de interpretar. Era divertido em 1960 e é divertido até hoje”, disse Lewis à época.
Sua última participação em filmes foi em “A Sacada”, de 2016, como o pai do personagem Stone, interpretado por Nicolas Cage.
OSCAR. Além de ter dirigido vários dos seus sucessos cômicos, ter sido indicado o Nobel da Paz de 1977 pelos seus esforços por trás do Teleton, programa pioneiro na arrecadação de recursos via TV, Lewis também queria o Oscar que apresentou em duas ocasiões (1957 e 1959), mas que nunca venceu como ator e diretor – ele ganhou o prêmio humanitário em 2009.
Era seu objetivo com o controverso “The Day the Clown Cried”, que fez em 1972 achando que a Academia não iria ignorar o filme. Mas, insatisfeito com o resultado, ele próprio engavetou o longa. 
 

A lenda de Jerry Lewis
LAS VEGAS, EUA. O filme “The Day the Clown Cried” é considerado o Santo Graal dos cinéfilos, uma lenda que poucos viram e muitos tentam encontrar sem sucesso. O projeto protagonizado, escrito, dirigido e, involuntariamente, produzido por Jerry Lewis, em 1972, foi colocado na geladeira pelo próprio comediante. “Tenho vergonha desse trabalho. É pobre”, disse Lewis, em 2013.
O roteiro escrito originalmente por Joan O’Brien e Charles Denton foi oferecido para Lewis em 1971 pelo produtor Nat Wachsberger, que bancaria o projeto inteiramente. A ideia era que o comediante dirigisse e protagonizasse a trama passada durante a Segunda Guerra Mundial sobre um palhaço famoso que é enviado para um campo de concentração ao ser flagrado ridicularizando Adolf Hitler. Em Auschwitz, ele nota a tristeza das crianças judias e termina – depois de ser ameaçado pelos nazistas – fazendo números cômicos ao acompanhá-las para a câmara de gás.
Lewis, inicialmente, rejeitou o filme, como revelou em sua autobiografia de 1983. “Por que o senhor não tenta contratar Sir Laurence Olivier”, disse o comediante. Ele mudou de opinião depois de reler o roteiro, acreditando que poderia – como um artista judeu – melhorar uma ideia que parecia de extremo mau gosto. Reescreveu a trama para deixar o palhaço mais palatável, visitou as instalações de campos de concentração na Europa e emagreceu 15 quilos para viver Helmut Doork.
Antes mesmo das filmagens iniciarem, o produtor perdeu os direitos sobre o roteiro ao não enviar para O’Brien a segunda parcela do pagamento. Com uma briga de bastidores, Lewis acabou pagando do próprio bolso um valor em torno de US$ 2 milhões para finalizar as filmagens na Suécia e terminou levando uma cópia dos negativos que estava em posse do Europa Studios.
Apesar de ter dito que o longa veria distribuição nos Estados Unidos e uma première no festival de Cannes, em 1973, Lewis nunca finalizou “The Day the Clown Cried” e disse que “ninguém nunca veria o filme”. O comediante podia ter vários defeitos (egocentrismo e grosseria sendo os mais famosos), mas passava longe de ser burro. Notou que havia feito um filme que seria massacrado por propor a redenção de um Flautista de Hamelin que leva crianças para a morte.
O projeto foi engavetado e só voltou a ser comentado em 1992, quando a revista “Spy” publicou um artigo sobre o projeto com aspas do também comediante Harry Shearer (“Isto é Spinal Tap”). “É como uma pintura utilizando a tela negra de Auschwitz”, confessou Shearer. “O filme é tão drasticamente errado, suas intenções e sua comédia são insanamente deslocadas.”
“Hollycausto”. Com o sucesso de “A Vida É Bela” (1998), que rendeu o Oscar de melhor ator a Roberto Benigni e possui uma trama semelhante ao projeto de Lewis, “The Day the Clown Cried” voltou às conversas. “Lewis chegou antes”, escreveu Owen Gleiberman, crítico da revista “Variety”. “Ele inventou o que acontece quando você funde Holly-wood com Holocausto – e cria o Hollycausto.”
Com a morte de Lewis, “The Day...” talvez deixe de ser uma lenda cinéfila. Mas deve demorar. O primeiro passo foi dado em 2014, quando o comediante doou uma cópia para a Biblioteca do Congresso Americano. Sua única exigência? Que o acesso do público só fosse liberado em 2024.