ARTIGO DA SEMANA: 'A Gordura da Quimera' - Por Gilberto Mendes
A GORDURA DA QUIMERA
*Por Gilberto Mendes
Na cadeia, sempre trabalhou.
Nos últimos tempos esteve no meio da segurança, sentado à mesa da confiança com os agentes.
Um dia, a casa caiu para ele.
Foi pego em flagrante fazendo uma patifaria qualquer e o resultado foi sair da cozinha e se meter no quarto mais escuro dessa casa infernal: a cela disciplinar.
Desnecessário ruminar seu pecado. Ele existiu e apenas a sua concepção foi suficiente para sua queda. Não pensemos no seu tamanho ou no que foi. Pecados são sempre pecados – os homens é que possuem essa estranha necessidade de rotular, classificar e mensurar tudo. Na cadeia, pecados são pagos todos do mesmo jeito: caixote, a cela disciplinar.
E ele aceitou tudo sem questionamentos.
Era de natureza pacifica e o flagrante foi escandaloso.
Uma madrugada qualquer a entranha da quimera regurgitou uma gosma e essa banha fétida escorreu por todas as celas disciplinares contaminando o local já desprovido de decência. O miasma foi até a cela dele, essa gordura era o mal.
Ele estava lá, sozinho, indefeso.
A gosma não, vinha misturado em quatro recipientes diferentes, cada um com uma espécie diferente de mal entranhado em seu corpo de homem.
A cela foi arrombada, o mal entrou.
Ele estava lá, sozinho, indefeso.
A gosma o tomou nas mãos, ele nada pode fazer contra isso, o mal o havia escolhido entre todos os demais do lugar, sem motivos aparentes, sem justificativas plausíveis, sem explicações saudáveis. O mal não precisa dessas coisas, ele se move por seu único e exclusivo interesse, arrogante, desafeto de gentilezas, egoísta ao extremo.
Foi morto de forma bárbara, de uma forma tão sádica que nem merece menção o jeito. A morte é filha do mal e juntos gargalharam na face dele enquanto a vida lhe fugia.
No outro dia a cadeia estremeceu num assombro só.
Ele estava morto.
Nem foi esse o motivo do espanto, a morte é filha do mal, lembram-se? E ela é irmã da grande quimera.
O mal ainda tinha uma última sutileza maligna a ofertar nesse caso macabro.
Enquanto o rabecão partia levando o corpo sem vida, o oficial de justiça atravessava o grande portão da cadeia trazendo o Alvará de Soltura dele.
Em seu caso, triste caso, a morte chegou primeiro que a liberdade.