iBahia | 7 de fevereiro de 2015 - 10:10 30 anos de Axé

Nos anos 1990, a cena projetou grandes nomes e foi para o mundo

Passada uma certa ingenuidade do começo da axé music, o movimento se profissionalizou e ganhou o mundo com nomes como Daniela Mercury e Carlinhos Brown. 

O ano era 1992 e a jovem de belos cachos, nascida no dia 28 de julho de 1965, não tinha noção de sua popularidade para além da Bahia. Chegou para se apresentar no vão do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e se surpreendeu: uma multidão de 20 mil pessoas a reverenciou e cantou a plenos pulmões as  músicas do recém-lançado álbum O Canto da Cidade. 

“Aquele show foi determinante para o sucesso nacional do meu trabalho. Foi o meu grande momento de florescimento. Obviamente, que por conta daquilo, se inicia toda uma curiosidade sobre o meu trabalho”, conta Daniela Mercury, 49 anos.

“Vim fincar a bandeira do axé, a bandeira da música feita na Bahia. Uma música nascida nas ruas, com todo uma experimentação laboratorial que é o Carnaval. O axé se afirmava também em outros lugares. Então, quando uma rua de São Paulo para pra cantar uma música que não é daquele lugar, a gente vê que o Brasil respira os mesmos desejos”, afirma Daniela, que buscou a inovação dentro da cena.

A cantora foi a primeira mulher a puxar um bloco grande - em tempo integral - no Carnaval de Salvador. “O primeiro lugar era dado aos homens. Ninguém tinha coragem de botar uma mulher”, detalha ela, a segunda cantora do bloco Eva, entre 1986 e 1989. 

Mulher no trio  “No último ano, o Ricardo Chaves ficou sem voz e eu tive que segurar o trio. Saí celebrada e o Pinel me chamou em 90. Mas quando chega perto do Carnaval, eles começam a ficar nervosos, dizendo ‘nunca uma mulher segurou um trio’. Aí eu disse: ‘Eu só canto se for a principal’ e aí não teve jeito, mas foi na briga”, revela ela, que também trouxe modelos de espetáculo para o trio elétrico.   

Daniela foi a primeira a se apresentar na frente do caminhão e também a mesclar o axé com música eletrônica ou erudita. “Eu trago essa parte mais conceitual. Mostro que o Carnaval pode absorver tudo e, consequentemente, mostro que o axé é um gênero que pode ser reconstruído”, diz ela, que enumera outros feitos. 

Daniela para Avenida Paulista com show no vão do Masp (Foto: Memorial Daniela Mercury)

“Eu também criei modelos empresariais, crio o primeiro camarote, estreio um novo circuito no Carnaval (o da Barra), mudo esteticamente esse caminhão”, completa, que já vendeu milhões de discos em sua trajetória. 

Pois é. O furacão Daniela foi tão forte que o Brasil ficou pequeno e ela passou a fazer turnês na América Latina, EUA e Europa.  Em Portugal, por exemplo, Daniela tem status de pop star. “Em 20 anos de carreira internacional foram mais de 300 shows em lugares prestigiosos e com críticas irretocáveis dos maiores meios de comunicação do mundo”, exalta a cantora. 

“Com Daniela Mercury, você vai desenhar melhor essa coisa da axé. Ela vai ser o arquétipo original da cantora de axé, festiva, dançarina... isso  vai ser assimilado por Ivete”, afirma o crítico de música da revista Veja, Sérgio Martins, 47 anos. 

“Quando a Daniela estourou, ela tinha tudo: voz, carisma e repertório. A partir do sucesso dela, todo mundo quis ter uma Daniela em sua banda. Tem quem critique, mas a importância dela é inegável”, emenda o jornalista.

Mas, segundo o empresário do Cheiro de Amor Windson Silva, 58, não foi fácil para o axé conquistar espaço: O desafio foi o preconceito. Em determinados momentos, a Bahia não tinha visibilidade. Só se pensava na Bahia com a Tropicália. Ninguém acreditava naquilo, achavam o axé uma música bairrista. A gente se impôs com qualidade a ponto de influenciar diversos outros estilos”, afirma, além de exaltar a força das micaretas.

Sempre atuante no axé, Carlinhos Brown é o melhor compositor de sua geração 
Após sucesso com a Beijo, Netinho chegou a vender um milhão de discos

“Naquele momento era fantástico, porque não tocava só pro folião, mas pra toda uma população.  Mas começaram a proibir as micaretas nas ruas e isso não foi bom. Deixou de tocar para o povão”, acredita. 

O maior poder econômico proporcionado com a criação do Plano Real, na era FHC, também ajudou a consolidar o axé como uma das galinhas dos ovos de ouro da indústria fonográfica nos anos 90. 

Nessa fase, Brown lançou seu primeiro disco solo, Alfagamabetizado (1996), o É o Tchan! vendeu dois milhões de cópias do álbum É o Tchan do Brasil (1997) e Netinho estourou nacionalmente. 

Príncipe do axé  
Afastado dos palcos há quase três anos por problemas de saúde, Netinho já foi um dos grandes nomes do gênero, mas procura ser modesto sobre seu papel. “Uma coisa que me deixa feliz é saber que casei muita gente com minhas músicas. Também me orgulha o fato de ter a certeza que faria tudo igual outra vez se, magicamente, eu pudesse voltar ao início”, diz o cantor, de 48 anos.

Até então tido como pejorativo, Netinho foi o primeiro artista que usou o termo ‘axé music’ na capa de um disco, ainda com a Banda Beijo, em 1992. “O termo começava a ser negado pelos próprios baianos. Como éramos uma banda  de franco progresso em todo o Brasil, decidi peitar aquela situação e nomeei o nosso disco. Esse álbum explodiu nas paradas de sucesso e, pela primeira vez, saímos do Brasil”, pontua o cantor. 

Um dos maiores beneficiados dessa boa fase da indústria fonográfica foi o É o Tchan!: vendeu mais de seis milhões de discos e ganhou as rádios (e TVs) de todo o país. 

“O axé faz parte da cultura do nosso país. Por isso, tem um papel de grande importância no cenário musical, igual a outros ritmos que surgiram pelo Brasil. Do axé surgiram muitos artistas que levaram a música baiana para fora do país e isso fomenta a cultura brasileira no exterior”, acredita Beto Jamaica, 50. “Pensamos que o fato de levar a música da Bahia para fora soma positivamente para todos os estilos musicais e o Tchan deu essa contribuição. Somos felizes em fazer parte desse movimento”, encerra Jamaica. 

No começo dos anos 2000, quando a crise fonográfica já tinha se instalado no país, Netinho se arriscou na MPB, mas nega ter se afastado do gênero que o consagrou: “Sempre fui e sou fã e admirador do axé. Não me importa terem confundido tantas vezes a minha inquietude musical e meus experimentalismos em outros gêneros com um abandono ou um suposto afastamento. Sempre achei que o artista tem que ser verdadeiro e fazer o que sente que deve fazer”. 

Nessa mesma época, o Harmonia do Samba, mesmo com a crise, estourou com o álbum O Rodo (2000). “A gente não esperava. A nossa motivação era viver feliz no palco e viver da música, mas não na proporção que aconteceu”, diz Xanddy, 35. 

“Acho que o ritmo passa por uma transformação. Ninguém se mantém em evidência o tempo todo. O fato de surgirem outros ritmos é ótimo para a mundo da música e isso movimenta o mercado”, pensa o líder do Harmonia do Samba.