O Globo | 25 de abril de 2014 - 16:03 ECONOMIA

Conta de luz pode subir 18,7% em 2015

Depois que o governo aprovou um reajuste de até 29% nas tarifas este ano, a conta de luz dos consumidores deve ficar ainda mais salgada em 2015. 
 
Segundo cálculos da consultoria Safira Energia, o aumento médio será de 18,7% no próximo ano. Boa parte desse reajuste é resultado do socorro ao setor elétrico, que já soma R$ 24,2 bilhões este ano. 
 
E, mesmo assim, alguns especialistas avaliam que o montante não será suficiente para sanar os problemas por que passa o setor, com um cenário de chuvas escassas e uso intenso de usinas térmicas, uma energia suja e cara. Ou seja, na prática, o peso da conta para o consumidor pode se tornar ainda maior.
 
Dos R$ 24,2 bilhões de socorro, entram no cálculo da Safira o aporte do Tesouro Nacional de R$ 9 bilhões previsto no Orçamento deste ano — que será custeado via CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), com impacto de 4,6% na conta de luz este ano — e o empréstimo de R$ 11,2 bilhões ao setor via Câmara de CCEE (Comercialização de Energia Elétrica). 
 
Um novo aporte, de R$ 4 bilhões, anunciado em março deste ano, não foi considerado porque ainda não está claro como será custeado.
 
Relatório vê reservatório abaixo de 2001
 
A consultoria considerou em seus cálculos um percentual de 7,5% em média este ano de reajuste de tarifa das distribuidoras. 
 
Além disso, a estimativa leva em conta o custo do despacho das térmicas em 2013, que, por decisão do governo, só afetará a conta de luz a partir de 2015.
 
O impacto da energia térmica é da ordem de R$ 9,6 bilhões, mas o valor deve ser diluído entre 2015 e 2018. Da mesma forma, o ressarcimento do empréstimo tomado via CCEE, de R$ 11,2 bilhões, só deve ocorrer entre 2015 e 2016.
 
De acordo com os cálculos da Safira, o reajuste de 18,7% deve se repetir em 2016, caindo para 14,1% em 2017 e mais 14,1% em 2018.
 
O problema do setor elétrico começou quando distribuidoras de energia ficaram subcontratadas porque algumas geradoras, entre elas térmicas do grupo Bertin, não conseguiram entregar a energia vendida nos leilões. 
 
As distribuidoras, então, tiveram que comprar energia no mercado de curto prazo, em que o preço estava muito elevado. A situação se agravou com o nível baixo dos reservatórios — diz Fábio Luiz Cuberos, gerente de Regulação da Safira.
 
Na avaliação de Cuberos, o resultado do leilão de energia marcado para a próxima quarta-feira será determinante para dimensionar se o socorro dado ao setor até agora é suficiente. 
 
Segundo ele, as distribuidoras precisam contratar 3.200 MW médios, mas acredita que esse volume não será ofertado no leilão. A estimativa é que metade ou pouco mais da metade da demanda seja preenchida.
 
Especialistas ouvidos pelo Globo avaliam que o polêmico empréstimo de R$ 11,2 bilhões assumido pela CCEE é apenas um dos fatores de preocupação no setor elétrico. 
 
Sem uma equação definitiva, temem que os problemas sejam maiores e que, ainda no segundo semestre, o governo precise fazer nova injeção de recursos nas empresas elétricas.
 
Um dos fatores que corroboram essa avaliação é um relatório do ONS (Operador Nacional do Sistema) que mostra que os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste podem chegar a 15,7% em novembro, início do período chuvoso. O cálculo considera que entre maio e novembro o índice de chuvas seria de 75% da média histórica para o período.
 
O patamar é inferior ao dos piores momentos de 2001, o ano do racionamento, quando o patamar dos reservatórios na mesma região foi de 20%. Atualmente, o patamar dos reservatórios está em 37,7%. Procurado oficialmente, o ONS não quis se pronunciar sobre o assunto.
 
Se não chover a partir de novembro, estamos lascados — disse uma fonte familiarizada com o relatório.
Caso este prognóstico se confirme, será necessário usar mais energia térmica. Além disso, a medida pode aumentar o temor de racionamento. Para especialistas, será necessário rever a estrutura do setor.
 
Provavelmente no segundo semestre será necessário um novo aporte no setor, mas não podemos dizer que será por empréstimo, pode ser alguma outra solução — disse uma fonte próxima à negociação que pediu para não ser identificada.
 
Segundo esta fonte, a crise mostra que a política de modicidade tarifária, que visava a aumentar a competitividade reduzindo o custo da energia, se mostrou inviável.
 
Há um temor de novos esqueletos para o setor elétrico — disse a fonte.
 
Cláudio Pinho, membro do comitê de Petróleo e Gás do IAB (Instituto dos Advogados do Brasil) e professor da Fundação Dom Cabral, lembra que o empréstimo evidencia a necessidade de reformulação do o setor elétrico:
 
O planejamento do Ministério de Minas e Energia para 2030 é baseado em dados de 2005. Na EPE (Empresa de Pesquisas Energéticas), os dados são de 2008. 
 
Isso é anterior ao forte crescimento da demanda, anterior àcrise mundial e à recuperação americana, baseada no uso do gás. 
 
Aqui, o planejamento não leva em conta isso, o gás, regido pela ANP (Agência Nacional do Petróleo), não é visto como fundamental para o setor de termelétricas.
 
O advogado lembra que este empréstimo é um “tapa-buraco” para o setor, que pode ter mais déficits estruturais se não houver uma revisão do marco regulatório:
 
A relação das empresas é privadas, mas a estrutura da tarifa ainda é estatal.
 
Segundo fonte, os bancos estariam finalizando as discussões sobre o percentual de taxa de juros que será cobrada nos empréstimos, que variou de 1% a 1,9%. 
 
Esta mesma fonte disse ainda que os bancos consideram o socorro às distribuidoras um “excelente” negócio, com risco baixíssimo.
 
A garantia são as contas de luz, conta que ninguém deixa de pagar — destacou.
 
Dos cinco bancos procurados, apenas o Bradesco se manifestou. Segundo o presidente do banco, Luiz Carlos Trabuco, a operação de financiamento está sendo construída pelos bancos e terá estrutura e garantias para que seja segura.