Terra | 20 de janeiro de 2014 - 17:08 beijo gay na TV

Na Globo, mulheres podem beijar na boca; gays continuam amordaçados

As sisters Clara e Vanessa deram beijo durante festa no Big Brother Brasil 14

A Globo adora gays. É o que se conclui ao perceber que, nos últimos dez anos, a maioria das novelas das 19h e 21h apresentou personagens masculinos homossexuais. Em uma única trama, ‘Paraíso Tropical’ (2007), existiam dois casais. Em outro folhetim, ‘Insensato Coração’, o número de gays chegou a quase dez. Não foi mera coincidência. As duas novelas foram escritas por Gilberto Braga. O autor é assumidamente homossexual. Aliás, ele acaba de ficar noivo de seu companheiro, o decorador Edgard Moura Brasil, com quem vive há 30 anos.

Apesar de a bandeira da diversidade estar fincada no horário nobre da emissora, a cúpula global nunca permitiu a exibição de um beijo na boca entre dois homens. Agora os olhos do país se voltam para Félix e Niko em ‘Amor à Vida’. O autor Walcyr Carrasco, bissexual declarado, teria recebido carta branca da direção da emissora para ressaltar o final feliz do casal com um beijo. Verdade ou mentira, saberemos somente no dia 31, quando a novela termina. 

Já o beijo entre mulheres não é exatamente um tabu na Globo. Exemplo disso é a exibição no último domingo, por volta de 11 da noite, do beijão das sisters Clara e Vanessa numa festa do BBB14. Duas loiras bonitas se beijando é uma imagem recorrente na galeria de fetiches da maioria dos heterossexuais. Será por isso que é aceito com maior naturalidade e exibido sem alarde na TV, ao contrário do boca a boca entre dois homens? E se, ao invés de duas sisters, o beijo tivesse acontecido entre dois brothers? A Globo exibiria a cena? 

Há chance desse beijo gay masculino acontecer nesta edição do reality show. O empresário Vagner é homossexual de carteirinha e crachá. Solteiro, parece disposto a se divertir muito no confinamento. O cozinheiro Rodrigo, o Portuga, é do tipo sem preconceito. Logo nas primeiras horas dentro da casa, se mostrou aberto às experiências: “Trabalho com muitos gays, eles vêm com brincadeiras comigo. Às vezes um vem e me dá um selinho na boca”. Em outro momento da conversa, o pernambucano não descartou ficar com outro homem diante das câmeras do BBB: “Eu não pretendo (beijar um homem), mas…”. Esse ‘mas’ ainda pode surpreender.

A liberação do beijo gay na teledramaturgia da Globo quase aconteceu em ‘América’, de 2005. A cena entre os peões Junior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro) foi gravada. A direção da novela tomou o cuidado de registrar diferentes intensidades de beijo. Optou-se por um encontro de lábios calmo e romântico. Porém, a sequência foi vetada horas antes de ir ao ar no último capítulo da trama. Na época, a autora Gloria Perez expressou publicamente frustração com a censura interna.

Para não cometer imprecisão, é importante lembrar que dois homens já tocaram sim os lábios em uma novela global. Porém foi um selinho pueril. Aconteceu em ‘Um Sonho a Mais’, trama das 7 produzida em 1985. Ney Latorraca, vestido como Anabela Freire (um disfarce de seu personagem hétero Volpone), deu uma bitoca no iludido Pedro Ernesto (Carlos Kroeber), que acreditava estar diante de uma mulher. Foi tão caricatural que não chocou. 

Em novela da Globo, o beijo gay feminino mais lembrado é o de Clara (Aline Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli) em ‘Mulheres Apaixonadas’, escrita por Manoel Carlos. Não foi ‘aquele’ beijo. As duas também deram um selinho angelical, numa encenação de ‘Romeu e Julieta’, de Shakespeare. Como em ‘Um Sonho a Mais’, recorreu-se à ficção dentro da ficção para amenizar o impacto da demonstração afetiva entre pessoas do mesmo sexo.

Manoel Carlos volta ao tema do amor entre mulheres em sua nova novela, ‘Em Família’. A dona de casa Clara (Giovanna Antonelli) vai trocar um casamento entediante com Cadu (Reynaldo Gianecchini) pela paixão por Marina (Tainá Müller). Em várias entrevistas, o autor confirmou a possibilidade de escrever um beijo entre as duas. Outro selinho à vista? Ou a Globo será liberal como o SBT, que mostrou um beijo com ‘b’ maiúsculo entre Luciana Vendramini e Gisele Tigre em ‘Amor e Revolução’?

A minissérie ‘A Teia’, a partir do dia 28, na Globo, terá cenas quentes entre duas mulheres. Ou seja, em minissérie e no Big Brother, pode. Na novela, não pode. Enquanto a ficção da Globo mostra selinhos tímidos entre mulheres e mantém amordaçada a boca dos gays masculinos, emissoras de outros países já liberaram geral. Na vizinha Argentina, a novela ‘Farsantes’, do Canal 13, exibiu o beijo entre dois advogados que se apaixonaram na convivência do escritório. Em Portugal, a versão local de ‘Dancin´Days’, no canal SIC, mostrou o final feliz — com direito a casamento e beijo — de um pai de família com vida dupla que se assumiu gay após se apaixonar por outro homem. 

Aqui, por enquanto, os gays das novelas só podem dar ‘beijinho no ombro’, como canta a funkeira Valesca Popozuda, musa do movimento GLBT.