Autor de 'Amores Roubados' explica por que mudou o final da história
Formado em jornalismo e com mestrado em artes cênicas, o pernambucano George Moura é autor de dois dos melhores trabalhos exibidos pela Globo no intervalo de um ano, as minisséries “O Canto da Sereia” (2013) e “Amores Roubados” (2014). O sucesso desta última superou todas as expectativas. “É um sonho quando conseguimos, na TV aberta, a difícil equação entre a qualidade e a comunicação, a mais ampla possível”, diz Moura em entrevista ao UOL.
Na entrevista a seguir, Moura explica por que decidiu alterar o final do livro “A Emparedada da Rua Nova”, no qual se baseou para escrever “Amores Roubados”. A mudança provocou alguma polêmica entre os espectadores que acompanharam a série, cujo décimo e último capítulo foi exibido na noite de sexta-feira (17).
George Moura: Foi uma escolha difícil, muito pensada, conversada, refletida, que me tirou algumas noites de sono. No original do maravilhoso livro de Carneiro Vilela, a questão central é a moral do século 19. Antônia fica grávida de Leandro e não pode aparecer assim para a sociedade; grávida e sem um marido para casar. Jaime então propõe à filha que ela faça um casamento de conveniência com João, no original, seu primo legítimo. Era muito comum nessa época casamento entre primos. João aceita a proposta, mas Antônia se rebela. Diante disso, Jaime, para manter as aparências na tradicional sociedade recifense, toma uma atitude extrema. Ele empareda a filha viva e grávida dentro de um cômodo da própria casa. Esse caráter moral da punição já não faz sentido em pleno século 21.
Diante desta constatação foi preciso repensar o desfecho desse folhetim do século 19 para uma minissérie que se passa e é vista no século 21. Acredito que a maior punição para Jaime, nos dias de hoje, é que toda a sua riqueza, construída com afinco ao longo da vida, seja herdada pelo filho de um homem que ele matou. Quer punição maior do que esta para um homem que dedicou a vida para construir um império de dinheiro e poder? E ainda mais: as mulheres hoje estão cada dia mais fortes. Antônia e Isabel, cada uma a seu modo, conseguem se solevar no final. E Leandro, amor verdadeiro de Antônia, renasce, à margem do rio São Francisco, em forma de um filho. O rio, com sua água pura, além de fazer o sertão frutificar, leva tudo, até as grandes mágoas. Como diz o poeta Ferreira Gullar: “O que passou, passou. Jamais acenderá, de novo, o lume que apagou''.
O mais óbvio seria que o protagonista, Leandro, não morresse. Ele morre, ao tentar fugir de uma emboscada, no capítulo seis, portanto, na metade da minissérie. Mesmo assim, Leandro permanece vivo, seja na memória das mulheres apaixonadas por ele, seja na saga de vingança perpetrada por Jaime e João, que parece nunca chegar ao seu fim. Outro dado curioso é que na construção da narrativa, o antagonista de Leandro, Jaime, passa a ser o protagonista, a partir de um determinado ponto da história. Existe uma troca de posição. Leandro era movido pelo desejo e pela paixão. Jaime é movido pela vingança e pela danação.
Qual (ou quem) foi, para você, a maior surpresa em “Amores Roubados''?
A maior surpresa foi o quanto a minissérie tocou fundo nas pessoas das mais diferentes latitudes. Foi uma paixão à primeira vista, que durou dez capítulos. É um sonho quando conseguimos, na TV aberta, a difícil equação entre a qualidade e a comunicação, a mais ampla possível. Vamos continuar trabalhando para perseguir esta meta.
O frisson causado por “Amores Roubados'', seja no público – ótimo resultado de Ibope – seja na crítica, foi ainda mais forte do que “O Canto da Sereia''. E olha que no “Sereia…'' já tínhamos chegado em ótimos patamares nesses dois aspectos. Em “Amores…'' existia uma expectativa, até certo ponto natural, se iríamos voltar a alcançar o grau de realização do trabalho anterior. Trabalhamos com aquela torcida e, ao mesmo tempo, com aquela dúvida: será que vamos conseguir chegar lá de novo?
Acredito que “Amores…'' foi um novo passo de realização de toda a equipe. Seja na complexidade, na sutileza e nas várias camadas da escrita do roteiro, na atuação dos atores, na direção do José Luiz Villamarim, na fotografia do Walter Carvalho, na geografia física escolhida, que foram as locações desse sertão contemporâneo, entre as vinícolas e o Raso da Catarina. Ou seja mostramos para o Brasil um nordeste que tem riqueza e adversidade. Tudo para contar da melhor maneira essa história.
Para mim, o resultado de “Amores…'' foi ainda mais preciso, de acordo com o nosso desejo apaixonado de fazer uma TV de qualidade e com frescor. É como se “Sereia…'' já trouxesse dentro de si, embora tratando de um universo tão diferente e com uma história tão diversa, a semente de “Amores…''
Qual é o seu próximo projeto de trabalho?
É uma releitura da novela original “O Rebu”, de Bráulio Pedroso, para o horário das 23h. A direção é de José Luiz Villamarim, fotografia de Walter Carvalho e estou fazendo junto com o roteirista Sérgio Goldenberg, parceiro do “Sereia…'' e do “Amores…'' Já estamos trabalhando duro e torcendo para fazer algo digno da inteligência do telespectador.