Correio do Estado | 21 de mar�o de 2011 - 06:22 TRAGÉDIA PANTANEIRA

Cheia antecipada causa morte de gado nas fazendas do Pantanal

Gado morto e gado cansado, sem ter onde dormir, com data marcada para morrer.

Paulo Ribas

Gado morto e gado cansado, sem ter onde dormir, com data marcada para morrer: hoje um tanto, amanhã, mais um pouco.

Capim e gramíneas totalmente submersos, fome. Eis o retrato da tragédia pantaneira ao longo dos rios Aquidauana e Negro, cujas águas emendadas transbordaram por quilômetros Cerrado adentro.

Imobilizadas, sem rumo, boiadas inteiras vêm morrendo a cada 24 horas nas fazendas da região.

Estradas boiadeiras, antigas pontes de madeira e pistas de aviação desapareceram há quase duas semanas.

Às 10h15min, um solitário peão “empurra” cerca de 300 bois no interior da Fazenda Rancharia. Caminham lentamente, em fila indiana. Pequenas ilhas e extensas faixas nos dois lados do rio Aquidauana transformaram-se num gigantesco barreiro.

Três sobrevoos na área permitem contar nos dedos as reses fora da manada – algumas dezenas perto do rio Taboco (afluente do rio Negro), a 50 km da cidade.

Às 11h o monomotor Skylane PT-DST pilotado pelo comandante Denir Barreto passa duzentos metros acima dos telhados das fazendas Califórnia, Barra Mansa, Rio Negro, Santa Edwirges e Barranco Alto – todas com sedes vistosas, mas agora judiadas.

O volume d’água cobriu cercas, postes, currais e quintais. Rodeada por altos coqueiros, a casa de Juma Marruá – personagem da atriz Cristiana Oliveira na novela “Pantanal” – está isolada no interior da Fazenda Rio Negro.

No cenário modificado, em vez de avião, canoas podem navegar sem problemas nas pistas da Fazenda Barra Mansa. Isso já ocorre, com resultados razoáveis no interior de algumas fazendas onde, pelo menos alguns bezerros são alcançados e imediatamente retirados.
Não se vê um só metro quadrado de pastagem.

13h: com fisionomia desolada o presidente do Sindicato Rural de Aquidauana e proprietário da Fazenda Retirinho, Timóteo Proença, resume outras, de companheiros pecuaristas que perdem centenas de reses nelore nessa cheia. Ele também é uma das vítimas do flagelo.

Não há escapatória para os animais. Desde as inundações, o capim não aparece à flor da água, o que representaria a esperança da alimentação regular dos animais. Segundo os pecuaristas, atualmente eles comem apenas folhas de bacuri e arbustos. “A cidade viu passar a sua fase crítica, agora a tristeza é nossa”, disse Proença.

A cheia antecipada reconhecida por especialistas em hidrologia, fazendeiros e prefeitos dos municípios pantaneiros já é tida como “fenômeno da década” – mais um –, pois ninguém esperava que fosse tão repentina. Proença está pessimista: “Quando chegar o frio, aí o prejuízo vai ser grande”.

Sofrem muito esses animais. “O que mata o gado é não ter lugar para se deitar; só cavalo e burro conseguem dormir em pé”, lamenta o pecuarista Luiz Fernando Alves Ribeiro.

Há quase 40 anos na profissão, o piloto Antonio Barbosa pousa na pista de terra do Aeroclube de Aquidauana. Vem de mais uma viagem à Fazenda Retiro Alegrete, da família Coelho. “A sede está dentro d´água”, ele conta.

15h40min: ficam para trás áreas imensas de pastos submersas. Quando se supõe que as águas dos rios da região caminham turbulentas para desaguar no Rio Paraguai, aumentando a sua vazão, chove novamente.

O piloto Denir Barreto consulta o aparelho GPS e desvia de nuvens escuras sobre o trecho da Serra de Maracaju que divide o planalto e o baixo e médio Pantanal sul-mato-grossense.
Sinal de que o ciclo da cheia se completará com maior volume d’água. E que o temor dos fazendeiros procede: cheia perto do período de frio só aumentará o flagelo de 2011.