Gilbero | 6 de julho de 2010 - 11:02

Leia a crônica "O VELHO E O CÓRREGO" por Gilberto Mendes

Em pé, ao lado da margem do córrego, o velho homem observava as águas em seu movimento contínuo e intrigante, estava pensativo, entretido consigo mesmo, meditando sobre a vida e todo o seu caleidoscópio de eventualidades – viver é sofrer, pensava, mas, ficar inerte para a vida é mutilar-se, breves filosofias introspectivas.

Nunca foi para a vida um grande filósofo, na verdade, nem entendia o que significava esta palavra acadêmica, para ele viver sempre foi ajuntar um dia após o outro, uma experiência após a outra, aprendendo com os dias, aprendendo com as experiências, buscando acertar mais e errar menos.

Era um dia de outono, e fazia algum frio.

A água corria despejando um barulho com uma sonoridade bela e relaxante. Observou o movimento de alguns pequenos peixes em busca de alimento; perdeu-se por alguns instantes, de olhos fechados no cantar de um pássaro ali perto; a brisa gelada tocou-lhe a face descoberta do rosto e encontrou o calor de um sorriso; sentiu as folhas mortas do chão emprestarem um movimento do vento que soprava; as águas seguiam seu curso, pensou, a natureza seguia seu rumo, o tempo seguia seu fluxo, nada para de verdade, sentenciou.

Na estrada, um jovem passou lépido e o cumprimentou. Reconheceu-o, de um tempo longínquo que ficou incrustado no passado, águas que passaram. Devolveu o cumprimento com um aceno de cabeça, estava envolvido com suas próprias coisas, não quis ser indelicado, apenas estava perdido em suas considerações sobre a vida, gostava de se dar este tempo para aprender com suas vivências comparando-as com as demais experiências que colhia ao seu redor. Fazia isso intuitivamente, sem maiores alardes, sem exibições, sem reflexões filosóficas, apenas sentindo a necessidade de se envolver com a própria vida.

Pensou na sua existência, tentando perceber seus ganhos. Não era rico, estava longe disso, muito longe. Não tinha conseguido grandes estudos, mal e mal assinava o próprio nome. A família era pobre e estava distribuída pelo mundo, cada qual tentando vencer do seu jeito, honestamente. Mas, entendia que ele tinha alguma importância para todo o contexto, pois olhou a água que passava e que acabara de mover o moinho; sentiu novamente o cantar do pássaro que alegrara seu coração e de muitos outros mais mundo afora; viu o vento mover as folhas, o que seria das folhas sem o vento? Diante da simplicidade de todas as coisas e a importância que elas demonstravam ter na natureza, teve a certeza de que também ele, veio ao mundo para construir algo de bom – sentiu-se importante com essa sugestão, e a impotência que o pensamento original sugeriu desvaneceu-se feito nuvem de pó.

Partiu!

O córrego ficou para trás assim como todos os pensamentos que se foram levados pelo regato do tempo. O tempo é como o rio, a água que vai, não volta mais; segundos que moveram o moinho da vida, não voltam mais. Sorriu, admirando-se com a própria sabedoria.

                                                              

Entrou em casa e sua velha o aguardava frente ao fogão de lenha, tirando uma velha chaleira do fogo e servindo-o uma quente xícara de café.

- Por onde andastes, meu velho, estava preocupada...

Ele sorriu, sem responder, ao testemunhar a importância que a velha, o amor de sua vida tinha para ele. Assim como ela nascerá para ele, ele, de sua parte, nascerá para fazê-la feliz. E tomou um generoso gole de café, antes de dar um beijo na face de sua amada de toda uma vida.