Gilberto Mendes | 28 de maio de 2010 - 18:20

Leia a crônica “Um Texto Inventado”, por Gilberto Mendes

UM TEXTO INVENTADO

Existem momentos, doces momentos, que me deixo levar numa viagem tão maravilhosa que ela, por sí só, já enche o meu peito de alegria. Gosto de partir nestas caminhadas sem rumo, sem destino, viagens tão longas e profundas e, ao mesmo tempo, não precisam sequer de um passo, mas, que deixam em mim marcas tão indissolúveis que irão acompanhar-me para todo o sempre.

São mergulhos introspectivos buscando me conhecer, querendo me reconhecer, esquadrinhando as muitas lições e percalços que a vida me deu (e trouxe), remexendo a sabedoria que ficou encalhada nos sedimentos do leito de minhas experiências.

E tudo o que tenho desejado nos últimos tempos, não são mais bocados de inteligência, ou agregar-me cultura farta e diversificada, ou, ainda, cultuar a esperteza dos lobos – quero a sabedoria dos mestres, dos homens que sabem viver com o pouco que a vida lhes deu e que conseguem ser felizes tirando o máximo deste mínimo.

Dia desses, numa dessas viagens, visitei minha infância e revi o garoto feliz que fui. Vi-me chutando bola de meia, brincando de pega no meio da poeira, pezinho nu no chão de areia, a boca suja de fruta colhida no pé, calção pequeno e já gasto, o sorriso gravado com o fogo da felicidade na face da criança.

Percebi que nesta época tinha muito menos do que tenho hoje, e era muito mais feliz do que sou atualmente. Isso me dá uma lição de vida incrivel, pois testemunha com fé que a felicidade não está mesmo nas coisas que se conquista e que se acumula por este caminho cravejado de pedras preciosas falsas; a felicidade está dentro da gente, naquilo que somos, que pensamos, que queremos, que desejamos, que cultuamos para nossa vida, que foi fabricado junto com o mesmo barro que nos construiu.

Digo adeus à idolatria moderna que é profetizada por uma sociedade que está contaminada de valores mundanos e medíocres.

Resgato a fantástica capacidade de ser feliz com a simplicidade, com o olhar à frente e ter a convicção de que tudo o que quero no dia seguinte, é estar ao lado de quem amo para inventarmos qualquer nova brincadeira – tudo o que quero é trazer de volta a capacidade de brincar... brincar... sem eletrônica ou maiores sofisticações!

Este texto, acreditem, não nasceu para ser filosófico. Não quis que ele ficasse acenando lições de felicidade e verdades que são minhas – cada um tem a sua verdade e meu espelho colocado na frente do rosto de todos os outros, provavelmente, não terá a capacidade de refletir sua face em um espelho que é somente meu. Minha verdade é meu espelho.

O que queria quando comecei era contar uma velha história infantil de quando vi a primeira dentadura, e do terror que senti quando ela foi retirada da boca do seu dono deixando-a macilenta, murcha, completamente sem vida, os dentes brancos sorridentes arreganhados para mim num riso bizarro e afogados dentro de um grande copo d’água. Puro horror senti... Nunca soube até então que os dentes poderiam ser artificiais, encaixáveis, e demorei muito para entender o que se passava...

A verdade é que me deixei levar por outros caminhos que não programei para este texto, a vontade original era apenas encantá-los com esta história da dentadura...

Provavelmente deixei-me dominar pelo Gilberto curumim que fui um dia e, voces devem se lembrar das gurias e guris que também já o foram, e, portanto, sabem bem, crianças nunca programam nada, elas se ajuntam e inventam.

Exte é meu texto inventado, se encanta ou não encanta são outros méritos que escapam ao meu controle ainda que ele possuir esta capacidade flerta intimamente com meu desejo.

Não vou cair de joelhos rogando para que o texto que escrevi tenha a capacidade de fazer-lhes suspirar poesia por seus olhos doces e sensíveis. Louvo, isto sim, para que ele retire de dentro de voces as crianças que foram um dia, nem que seja por um momento dentro do tempo de adulto – se conseguir isto, duas coisas acontecerão, com certeza: a primeira, voces entenderão o que sinto agora ao lembrar-me de minha infância e do guri que fui; e, segundo, perdoarão-me por ter me desviado de meus propósitos sinceros originais e esquecido de contar da história da dentadura – as crianças, sempre perdoam...

Visitem o blog do autor: www.nelmezzodelcammim.blogspot.com