Reformas processuais e morosidade da justiça: uma reflexão
Demasiada é a expectativa depositada não só por aqueles que executam e obram juntos à máquina judiciária, mas, sobretudo, pela própria sociedade a respeito das reformas processuais que correm no país hodiernamente que têm por intento primacial a concretização da tão almejada celeridade processual.
A morosidade da justiça, além de um tema midiático por natureza, sempre foi um assunto laboriosamente em voga nos debates envolvendo os três poderes da República, sempre com o desígnio de ofertar mudanças a fim de elidir o vírus da lentidão que há muito torna enfermiço o Poder Judiciário. Propostas não faltaram, porém os resultados sempre se demonstraram parcos e insatisfatórios. E esses irrisórios resultados, entre outros fatores, podem ser imputados não apenas nas mazelas dos administradores públicos, mas também, nos próprios esteios que alicerçaram a formação do direito em nosso país.
O sistema jurídico brasileiro estruturou-se por meio do instituto chamado Civil Law em que a principal fonte do direito são as leis, ou seja, o próprio texto escrito. Opostamente denominada de Common Law, vigorando nos países anglo-saxões, este direito tem a sua formação arraigada na consciência e no bom senso exteriorizado por meio da jurisprudência no âmbito de seu Poder Judiciário. Um exemplo disso é a Constituição Federal da Inglaterra que nunca foi escrita, e a americana na qual se subsume a três singelas páginas, ao passo que, paradoxalmente, a brasileira comporta duzentos e cinqüenta artigos de combalida aplicabilidade.
Na prática, a discrepância é exorbitante. Enquanto por uma questão de consciência, o cidadão inglês evita aumentar o volume de seu rádio para não incomodar seus vizinhos, o brasileiro além de aumentá-lo, ainda acredita estar em seu pleno direito de posicionar em qualquer volume que lhe aprouver por estar ouvindo dentro de sua casa. Na primeira situação, a consciência dita normas e a sociedade passa a agir harmoniosamente, independentemente de lei; no segundo, mesmo tendo normas, a consciência teima em desobedecer, daí surgirem famigerados ditos populares como “esta lei não pegou” no caso da Lei municipal do silêncio, que se encontra em vigor
No Brasil, a lei funciona como uma espécie de panacéia, como se o fato do direito estar escrito no papel fosse o suficiente para nos garantir desenvolvimento e concretizar direitos. Exemplo típico e recente disso foi a reforma do Judiciário promovida por meio da emenda constitucional n. 45/2004. Nesta, dentre outros dispositivos, foi constada de forma expressa, como um dos direitos fundamentais do cidadão, a “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Mesmo este direito tendo sido debatido, escrito e, após sua aprovação, celebrado, na prática quedou-se inerme em face da escassez de aparato suficiente a dar eficácia a tal garantia, funcionando simplesmente como um “símbolo” de conquista aos cidadãos, mas, lamentavelmente, relegada a inânia.
A mola propulsora para ineficácia desta garantia é o descompasso entre consciência da sociedade somada à inapetência dos administradores públicos às palavras constantes do texto da lei. E assim se afirma, pois, ainda cultivamos uma cultura extremamente litigiosa, em que pequenos fatos que poderiam ser diluídos por meio de composição entre as partes são levados ao Judiciário para a sua solução; políticos esquivos e despreparados que, por muitas vezes levados pela corrupção, deixam de realizar os investimentos em recursos humanos e estruturais indispensáveis.
Perceber-se que a celeridade processual sempre foi buscada como meio da emanação de várias leis, desprovidas, no entanto, de consciência e investimento para tentar dar concretude ao que nelas se estabelecem. Como resultado têm-se juízes e servidores sobrecarregados e exaustos, advogados e partes insatisfeitos com a atraso do provimento jurisdicional, além do reflexo surtido em todas vertentes da economia e desenvolvimento nacional.
Lamentavelmente, no Brasil, ainda se tem a cultura de que a lei escrita é o suficiente para solucionar os problemas da nação. Em alguns casos, ela por si só resolve, em outros é imprescindível a atuação do Poder Público, contratando funcionário e retribuindo-os com bons salários; estruturando fisicamente os órgãos; informatizando o sistema; proporcionando uma carga de trabalho equânime entre os profissionais da área. Amealhada a situação exposta, urge uma sociedade consciente de suas atitudes.
Diante disso, uma nebulosa nuvem carregada de dúvidas paira sobre nossas cabeças e deságua um mar de questionamentos, entre estes: estão os novos Códigos de Processo Civil e Processo Penal eivados de força suficiente para alcançar a tão ansiada celeridade processual? É... acredito que só o tempo nos dirá!
Giancarlo João Fernandes
Sócio do escritório Mascarenhas Barbosa & Advogados Associados
giancarlo@mascarenhasbarbosa.adv.br
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