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Calouros ficam com fígado de boi na cabeça durante trote em SP

1 Mar 2010 - 11h07Por G1

Registros de um trote na Grande São Paulo revelam a humilhação sofrida por calouros de uma faculdade de medicina na semana passada. As cenas revoltantes são flagradas por equipes do Fantástico. Desde a saída da faculdade até a chegada da polícia, as imagens mostram desrespeito, com agressões físicas e morais.

Durante o trote, um jovem que acabou de entrar na faculdade de medicina é obrigado a ficar com um fígado de boi estragado na cabeça. Em um outro momento, o veterano enche a boca de cerveja e cospe tudo no calouro. Ele repete o gesto três vezes.

O trote violento acontece em um sítio de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. A festa é feita pelos veteranos da 37ª turma de medicina da Universidade de Mogi. O recado no muro é claro: “Se chorar, vai ser pior”.

Outras faculdades, como a de medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, também promovem trotes tradicionais, com pedágio para arrecadar dinheiro para os veteranos, que é usado no fim para uma balada no campus. Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, unidade da USP em Piracicaba, uma festa também acontece em um sítio. Calouros chegam a lutar na lama.

Mas nenhuma dessas se compara à de Mogi. Nela, desde o início das aulas já havia a ameaça dos veteranos: quem não fosse ao sítio não ia ter direito de freqüentar outras festas da faculdade e ainda ia correr o risco de sofrer ameaças e constrangimentos durante todo o curso.

Na segunda-feira passada (22), as imagens mostram os veteranos se reunindo dentro da universidade, que é particular e tem 15 mil alunos. Às 11h, todos vão para o centro acadêmico, que fica perto da faculdade. Os estudantes novatos são insultados. No caminho, são obrigados a andar em uma posição incômoda, chamada de elefantinho. Três ônibus são alugados para o transporte até o sítio, a 17 km da universidade. Muitos veteranos chegam de carro.

O local da festa é mantido em segredo para os calouros. Seguranças controlam a entrada. Às 13h, o trote começa. Uma bomba explode no campo de futebol. Um rapaz dá dois tapas no rosto de um novato. E eles são obrigados a entrar em uma cabana, onde está guardada comida pobre. Em vários momentos, os veteranos usam o fígado de boi estragado no trote, segundo relatos.

“Umas cinco pessoas falavam: Beija o fígado de língua, senão, te arrebento”, lembra um calouro.

Mais de 400 pessoas participam da festa no sítio. Testemunhas dizem que latinhas de cerveja foram arremessadas na cabeça dos calouros e que, além das agressões, houve muita humilhação.

“Eles cospem na cara. Mandam você ajoelhar e cospem”, conta um novato.

Um estudante não aceita beijar os pés de um veterano e recebe caipirinha de limão nos olhos. Era um dia de sol. Resultado: as manchas na pele são difíceis de sair.

Os alunos novos ainda têm de pagar pra participar do ritual. São R$ 300 por um kit com estojo, agenda e a camiseta do trote. Como são 80 calouros, os veteranos do último ano arrecadam cerca de R$ 24 mil.

Às 17h, policiais são chamados. O caseiro do sítio alugado, preocupado com a bagunça, faz o alerta. Depois de uma conversa com os veteranos, os policiais vão embora. O trote acaba em seguida.

Na quinta-feira (25), são feitas imagens do sítio, alugado por R$ 1.150. E são encontrados vestígios de outro tipo de agressão. No campo de futebol do sítio, os veteranos obrigaram rapazes e moças a ficarem com os braços abertos em uma cruz de madeira. Em seguida, eles foram alvo de um ataque de ovos, farinha e catchup. Alguns deles apanharam com peixes apodrecidos.

“Acho legal ter trote, mas não esse absurdo que ocorreu aqui”, diz um calouro.

No sitio, são encontrados vários frascos que, aparentemente, são de soro fisiológico. Segundo testemunhas que estavam na festa, dentro havia lança-perfume. A droga foi consumida livremente.



Comportamentos doentios

Para o professor de medicina comportamental José Roberto Leite, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os veteranos manifestam comportamentos “doentios”. “É de uma impulsividade, de uma agressividade, que extrapola as normas sociais”, avalia.

O professor diz que a chance de as cenas se repetirem no ano que vem é grande. “O indivíduo acaba reproduzindo aquilo que sofreu. Ele vai querer subjugar o calouro, sem dúvida nenhuma.”

Dois anos atrás, estudantes da mesma faculdade de medicina sofreram trote semelhante. Na época, pelo telefone, a tia de uma aluna conversou com a TV Diário, afiliada da Rede Globo.

“Eles tiram a roupa de alguns rapazes, fazem brincadeiras envolvendo coisas como vômito e fezes. Pelo amor de Deus, isso não pode acontecer.”

Nesta semana, os pais de pelo menos 40 calouros – metade da turma – procuraram a Reitoria da Universidade de Mogi das Cruzes para reclamar. Por causa das humilhações, uma caloura desistiu do curso no dia seguinte ao trote.

No centro acadêmico dos alunos de medicina e na direção da universidade, ninguém fala. Os veteranos que organizaram o trote também não gravam entrevista.

Em nota, a Universidade de Mogi das Cruzes diz que todos os anos há reforço na equipe de segurança e que realiza palestras e reuniões contra o trote violento. Afirma não ter como se responsabilizar por práticas inadequadas fora do campus, mas diz que os veteranos flagrados podem sofrer de advertência verbal até expulsão.

A mensalidade do curso de medicina de Mogi das Cruzes é cerca de R$ 4 mil. No último Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), em 2007, o curso recebeu nota 3, em uma escala de 1 a 5. Três é a nota mínima para que o curso funcione sem intervenção do Ministério da Educação.

“Medicina e medicina veterinária são os cursos onde há maior incidência de trotes violentos. Acabam agindo de um modo completamente agressivo e que não condiz com a profissão que vão exercer”, diz o procurador da República Thiago Lacerda Nobre.

Em setembro do ano passado, o Ministério Público Federal pediu às universidades do estado de São Paulo que tomassem providências contra os trotes.

“Recomendamos às instituições de ensino que garantam a ampla, total e irrestrita segurança dos alunos, dentro e fora do campus”, afirma Nobre.



Queimaduras
Na segunda-feira passada (22), sete calouros do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos, no norte do estado de São Paulo, sofreram queimaduras durante o trote.

A polícia diz que elas foram provocadas por uma mistura de tinta e creolina, um desinfetante corrosivo.

Além de expulsos da faculdade, veteranos que promovem trotes violentos podem ser presos e responder a crimes como injúria (que significa ofensa à dignidade da vítima, com pena mínima de um mês de cadeia), constrangimento ilegal (com pena mínima de três meses) e lesão corporal (que também prevê três meses de prisão pelo menos).

“Só iremos acabar com a prática de trotes no país a partir do momento em que todos forem chamados a suas respectivas responsabilidades”, diz o procurador.

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