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Brasil pode ficar sem água em 20 anos

19 Mar 2007 - 09h19

Qual a quantidade de água que uma pessoa consome diariamente, em média, em todo o mundo? Geralmente arrisca-se como resposta a casa dos dez litros. É uma estimativa tímida demais. No limite da sobrevivência, para matar a sede o ser humano consome em média dois litros de água por dia. Some-se a isso o fato de que quase todas as nossas atividades diárias envolvem o uso desse recurso hídrico. Há estudos revelando que populações carentes, moradoras em locais sem água encanada, consomem cerca de 30 litros todos os dias. Já quem mora em apartamento ou casa com máquinas de lavar roupa e louça chega a gastar 500 litros. As desigualdades no acesso a esse líquido que é a seiva do planeta trazem à tona quadros alarmantes: enquanto no Brasil há quem use dois mil litros de água a cada 24 horas, lavando carro ou calçada, entre outras atividades, em comunidades africanas a média é de 12 litros de consumo – utilizados, bem entendido, para sobreviver. Esse desequilíbrio, que se traduz na palavra desperdício, é resultado da falta de uma educação ambiental no Brasil e em diversos países direcionada pontualmente para a questão da água.

Já protegeu-se, e com razão, as baleias e os golfinhos, os micos-leões-dourados e as tartarugas, o verde das matas, o marrom das terras e o azul do céu, só para dar alguns exemplos. Por que se fala tão pouco da necessidade da preservação da água? Primeiro porque sempre se creu, com boa dose de simplismo, em que tudo o que sobe desce: água evapora, vira chuva e volta para nós. Não se contava com a interferência de outros fatores drásticos, como o aquecimento global que a faz evaporar cada vez mais e voltar cada vez menos. Em segundo lugar, o descaso se deu porque ela, a água, se mostrava tão abundante que mais urgente era cuidar da conservação das espécies, do verde, do excesso de emissão de poluentes. Pois bem, chegou a hora da água. Na semana passada, o alerta da ONU nos deixou com um nó na garganta e a boca seca: em 20 anos, caso o intenso desperdício continue, faltará totalmente água para 60% do mundo. O Brasil estará nesse deserto.


Quando em 1961 o astronauta russo Yuri Gagarin deu a primeira volta completa em torno da Terra, sentenciou: “O planeta é azul.” A frase ganhou espaço na ciência e se eternizou nos livros de geografia: Gagarin chamara a atenção para o fato de 70% do planeta ser constituído de água. De acordo com dados do International Hydrological Programme, 97,5% de toda a água disponível no planeta é salgada. A água doce, que só representa 2,5% do total, está em sua maior parte nas calotas polares. O ser humano conta com apenas 0,3% de água disponível em lagos, rios e lençóis subterrâneos pouco profundos – mas prossegue, mesmo diante desse quadro, desperdiçando e poluindo. Mais: há dois mil anos a população mundial correspondia a 3% da população atual, enquanto a disponibilidade de água permanece a mesma. “Pouco mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo já não têm acesso a água limpa suficiente para suprir as suas necessidades básicas diárias”, diz Pasquale Steduto, diretor da unidade de gerenciamento dos recursos hídricos da ONU. “Em 20 anos, dois terços da população enfrentarão total escassez.”

O drama se reflete no Brasil, que, apesar de considerado o grande reservatório da Terra com 12% da água doce disponível, enfrenta má distribuição e falta de consciência de preservação por parte de governantes e da população em geral – as campanhas oficiais são pífias. Cada brasileiro possui, ou deveria possuir anualmente à sua disposição, uma cota de 34 milhões de litros, um volume enorme, já que é possível levar vida confortável com dois milhões, conforme as estimativas da ONU. Ocorre, no entanto, que o recurso é geograficamente mal distribuído: 80% de toda a água do País concentra-se na Amazônia, onde vivem apenas 5% dos habitantes. Os 20% de água restantes têm então de acabar abastecendo 95% dos brasileiros.

COMUM Dois mil litros desperdiçados sem pensar

É uma desproporção injusta e maluca e que retrata um Brasil demarcado pela desigualdade até mesmo quando o assunto é água. E, se há a desigualdade natural da geografia, há também a desigualdade social da economia. Ou seja: aqueles 20% de água que sobram para 95% da população estão num mar de irresponsabilidade. Enquanto cidadãos da cidade de São Paulo lavam calçadas e carros, regiões da Paraíba disputam cada litro distribuído por carros-pipa. “Esse é o retrato do descaso do poder público. Como podemos falar em educação ambiental e desperdício a cidadãos sem acesso aos recursos mínimos para manterem a higiene básica?”, diz Francisco Buonafina, presidente da Universidade da Água, uma organização não-governamental que dá palestras a professores de diversas escolas do País. “É mais fácil começar essa mudança pelas crianças do que pelos adultos. Os pequenos aprendem na escola e puxam a orelha dos pais em casa”, diz Buonafina.
Além do desperdício doméstico, há o público. No Brasil, cerca de 30% da água tratada perde-se em vazamentos pelas ruas. Em São Paulo, por exemplo, esse índice daria para abastecer diariamente cerca de três milhões de pessoas. Pode-se afirmar que no Sul o problema está na falta de educação ambiental, enquanto no Norte e Nordeste há um secular descaso do governo. De fato, só na Paraíba são 362 mil pessoas dependendo de carro-pipa para enfrentar a seca. Para contornar esse obstáculo, o governo federal investe no projeto Água Doce, iniciativa que trata a água subterrânea do semi-árido para torná-la potável. “Mas há uma grande dificuldade do Norte ao Sul do Brasil: a poluição das bacias hidrográficas”, diz Oscar Cordeiro Netto, diretor da Agência Nacional da Água.

Cabe assim ao Brasil e também a outros países reverem as suas políticas ambientais. Como em tudo o que ocorre nesse campo no País, a iniciativa privada vem tomando a frente do poder público e começa a atuar. Especialista em programas de Uso Racional da Água, o engenheiro Carlos Lemos da Costa já desenvolve projetos que representam economia de até 67% em empresas brasileiras e multinacionais – entre elas a construtora Hochtief, os bancos Itaú, Unibanco e Real e o hospital Albert Einstein. Todos precisamos colaborar, consertando aquela torneira que goteja o dia todo, passando pelas indústrias, que devem reciclar seu lixo em vez de poluir rios, e chegando aos governantes, que necessitam estabelecer projetos mais eficientes.

 

 

 

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