Fios de cabelo já brancos e o rosto marcado pela passagem do tempo, a camisa sempre muito limpa e bem passada, alinhada por dentro da calça como antigamente, cinto e sapatos combinando, tudo em cores discretas. Na maneira de caminhar, a falta de pressa de quem faz o mesmo caminho há 30 anos, peregrinando para vender os panos de prato, toalhas de mesa e panos alvejados que carrega embaixo do braço.
No olhar, a experiência de 83 anos em que a maior escola foi a rua, com lições e histórias, em que se orgulha da habilidade de seguir em frente apesar das adversidades. Hoje os olhos já não são os mesmos, Neemias perdeu 50% da visão há 17 anos, os pés e mãos estão calejados do trabalho que começou cedo, aos 7 anos. Na bagagem, carrega experiência e causos que conta de bom grado a quem estiver disposto a ouvir.
Leitor ávido, a única tristeza é não conseguir ler os 20 livros que costumava ler por ano. Ainda assim a mente continua afiada, na memória são mais de 100 biografias, gênero literário favorito pelos atos extraordinários de pessoas que poderiam ser como qualquer um de nós e por pensar fora da caixa, entraram para a história.
Foi também uma história vida que o motivou no momento em que a visão começou a falhar. Neemias confessa no começo ter tido dificuldade em aceitar a cegueira parcial, depois de uma operação de catarata mal sucedida. Conhecer o trabalho Frances Jane Crosby, compositora de hinos religiosos que perdeu a visão ainda na infância, mas realizou o que ele considera uma das obras mais bonitas já feitas. “Foi quando eu percebi que eu não sou um coitadinho. Peguei tudo aquilo, amassei e joguei tudo aquilo fora”.
Ao alcance das mãos, Neemias se orgulha de ter sempre a nota fiscal dos produtos.
Conhecido pelos comerciantes mais antigos do centro, encontramos Neemias por indicação depois de uma matéria com um dos clientes pontuais atendidos por ele. A entrevista está marcada há uma semana, precisou esperar até que o vendedor voltasse de São Paulo, para onde ainda viaja sozinho todos os meses para renovar o estoque.
Durante quase uma hora inteira de conversa nenhuma reclamação, pelo contrário, Neemias faz o tipo otimista que em cada problema, vê uma solução.
“Descendo a rua do cemitério um outro dia encontrei um rapaz desesperado, com tantos problemas que não sabia o que fazer. Chegando no portão, eu disse: Quem não tem problema é quem mora lá dentro - apontei para o cemitério - estou mais feliz com todos os problemas aqui de fora. Ele foi embora achando que tinha encontrado um doido. Mas é verdade, só não tem problema quem já morreu”, ensina.
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