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Brasil

"Primeiras Impressões Sobre a Cadeia" por Gilberto Mendes

26 Jun 2007 - 09h05

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A CADEIA

 

por Gilberto Avelino Mendes

 

Como sempre, lá estava ele, em seu posto, atento. Olhava a tudo e a todos, em suas celas, todos os movimentos dos reclusos cuidadosamente estudados. Observava um velho senhor negro, cabelos brancos, tomando um banho demorado, ensaboando-se com tamanha vontade que parecia querer tirar todos os pecados do corpo com água e sabão. Na cela inferior, um jovem mal-encarado fumava absorto, pensando na vida, tentando encontrar outros culpados para pecados exclusivamente seus. Em um outro cárcere, um rosto apareceu entre as grades da janela e gritou uma blasfêmia qualquer. Desabafava suas agruras e tristezas, para si próprio, para todos os deuses surdos que o escutavam. Um outro qualquer comia o restante do conteúdo frio de sua marmita com relativo prazer, na cadeia a fome é o melhor tempero.

 

A cadeia é silenciosa à noite, a melancolia monta guarda na madrugada da penitenciária.  Pode-se ouvir os passos dos agentes no grande corredor central, o guinchar dos ratos no jardim, os sons da longa noite de insônia dos prisioneiros. Pode-se descortinar alguns sorrisos aqui e ali, mas não se pode dizer que há alegria suficiente neles para mover os moinhos da felicidade. Sorri-se, invariavelmente, para esquecer a dureza de um ambiente onde todos na verdade gostariam de estar longe. A cadeia é um local de aparências, cortinas abstratas escondem as verdades que estão sepultadas nestes endurecidos corações humanos. A tristeza veste sorrisos fantasiando uma alegria que não existe. O ódio dissimula-se com a rotina e a disciplina. A liberdade fica em “stand by” aguardando em forma de crisálida para nascer como borboleta, com o abrir voluntário dos portões; ou romper o casulo de forma furtiva como uma mariposa fugitiva. O diálogo surge como intruso quando as facas são forçosamente trancafiadas nos “mocós” de lares que não são doces.

 

A cadeia é um lugar de aparências, a tranqüilidade é uma visita agradável ansiosamente aguardada, mas que todos sabem que tem hora para ir embora. As cortinas são obrigatórias na cadeia, são elas que de uma forma artificial sustenta a tranqüilidade. Tudo são aparências na cadeia, aparências..... Reconhecer isso e lembrar-se permanentemente disso, é manter-se vivo.

 

E como sempre, lá estava ele, em seu posto, atento. Olhava a tudo e a todos, percrustando, tentando divisar algum movimento ilícito, alguma atitude impensada, alguma ação não permitida. A cadeia é um organismo vivo que contamina todos os que nela adentram. Ele viu seu coração, percebeu um lado resistente, ainda resplandecente; o outro negro, corrompendo-se com esta realidade trancafiada em grades. Desde o dia em que conheceu a cadeia e seus devaneios de megera, suas dores não eram mais tão doídas, suas alegrias não mais tão prazerosas, perdeu-se nele a humanidade. O sofrimento alheio era uma realidade, e a realidade é feita para manchetes de jornais, não para os frontispícios do próprio cotidiano.

 

Alguém apareceu, rendeu-o em seu posto, a vida continua na madrugada gelada da cadeia. Olhou uma última vez para as cenas solitárias de todas as janelas das celas que encenavam dramas particulares, solitários e comuns a todos os internos. De algum lugar viu brotar novamente a poesia, de algum lugar em que a havia esquecido, no passado, sufocada por sua covardia em não querer encarar sua própria humanidade. Ela ainda sobrevivia, sentiu um alívio por isso. Sentiu compaixão por aqueles seres humanos.... Sentiu compaixão por ele próprio. O agente ainda era gente, afinal, gente....

 

 

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