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Brasil

Brasiguaios sofrem com situação precária em Itaquiraí

19 Jul 2010 - 08h26Por Globo Rural

A partir da década de setenta, milhares de agricultores brasileiros se mudaram para o Paraguai, atraídos pela oferta de trabalho e terra barata. Eles receberam o apelido de brasiguaios, mistura de brasileiro com paraguaio.

De uns anos pra cá, parte desses agricultores vem enfrentando conflitos com os paraguaios sem-terra. Invasões, ameaças e violência estão trazendo de volta para o Brasil alguns dos brasiguaios, para uma vida nada fácil, como contam os repórteres Camila Marconato e Sandro Queiroz.

Histórias de vida e sofrimento abrigadas debaixo da lona. Acampamentos de agricultores sem-terra existem muitos espalhados pelo Brasil, mas no Mato Grosso do Sul eles tem algo de diferente: os agricultores, em sua grande maioria, são brasileiros que cultivavam terras no Paraguai e tiveram que voltar.

A linha de barracos se estende às margens da BR – 163, no trecho entre Itaquiraí e Naviraí, no sul do estado.

O acampamento Antonio Irmão existe já há três anos. Nele moravam cerca de 150 famílias. Com a chegada dos brasiguaios, hoje são 600 famílias. Um número que cresce a cada semana.

Betel da Silva, um líder local, explica porque chegam cada vez mais brasiguaios no acampamento. “Existe o foco no Paraguai de brasileiros sendo torturados, ameaçados, expulsos de terras no Paraguai, em algumas regiões localizadas do Paraguai. Muitos brasiguaios chegam numa situação terrível, sem nada, sem roupa, sem botijão de gás, sem fogão, sem panela, e muitos vem só com a roupa mesmo, em sacolas plásticas”, conta.

Pior ainda: muitos chegam sem documento. Sem sobrenome, sem identidade! Filho de brasileiros, nascido no Paraguai, Deoclécio tem dezenove anos, nunca foi registrado. Analfabeto, vive hoje sozinho no acampamento. No país vizinho, ele e a família não tinham título da propriedade. Sofreram ataques dos agricultores sem-terra de lá, os chamados “campesinos”. Suas lavouras e criações foram destruídas.

“Judiava muito do pai e da mãe. Batia com revólver na cabeça e chegava a rachar a cabeça do pai e da mãe, saía sangue. Minha família hoje num tem nada, estão tudo na rua assim. Pai, a mãe, tudo sofrendo. Eu vim aqui pra tentar tirar meu documento brasileiro, pra estudar, ver se consigo estudar um pouco, pra aprender ao menos um pouco, num ficar burro, jogado, qualquer lugar que o cara que ir num pode ir porque num tem documento, num tem estudo, num tenho nada, tenho que ficar só aqui no barraco”, afirma.

Escuro, pequeno… No barraco de Deoclécio, só o colchão velho num estrado improvisado, poucas roupas penduradas, panelas e o fogareiro.

Deoclécio come o que vem na cesta básica do governo federal, distribuída a cada três meses. Mas falta, mesmo, ele sente é da mãe, que ficou no Paraguai e que ele nem sabe ao certo onde está. “Eu num posso muito pensar na mãe que eu começo até chorar no caso, porque eu sinto muita saudade. Ficou pra lá, mas se eu fosse ter condição de trazer, e ela fosse vir, eu queria que ela viesse, porque nosso país é aqui, num é lá, então a gente queria vir pra cá, né? Porque nós somos brasileiro, nós num somos paraguaios, somos brasileiro”, diz.

No acampamento, há centenas de crianças e adolescentes e só uma escola, que funciona num barraco de madeira. A professora Antonia da Silva dá aula em dois períodos. Na mesma sala, crianças do primeiro ao quarto ano. A prefeitura de Itaquiraí paga seu salário e custeia o mínimo para a escola funcionar. Mas falta carteira, material e não pára de chegar criança.

- Quem daqui veio do Paraguai? Quanta gente!
“Agora mesmo, essa semana entrou três, e eu ouvi falar que parece que chegou três famílias, que parece que tem quatro ou cinco crianças que vai entrar na aula”, diz a professora.

Tudo piora quando chove: o chão de terra vira lama, encharcado de poças.

“Entra água por tudo quanto é buraco e esses buraquinhos que tem no telhado, eles respingam em cima do material, o material que a gente tem ali molha, essa é uma das maiores dificuldades”, afirma.

As crianças tentam fugir dos pingos e se sentam em cima da carteira. Alguns enfrentam a água nos pés. Meninos e meninas são “calejados” no sofrimento. Todos dizem que preferem essa escola, o barraco de lona, enfim, a vida difícil do acampamento no Brasil, ao dia-a-dia que viviam no Paraguai.

“Eu tinha medo deles matar animais demais e matar os porcos, roubaram quase tudo”, diz Marco Jhonny Ferreira Casario, 6 anos.

Outro drama no acampamento é a ausência de água potável. São muitos os casos de diarréia. “E sempre que vai no médico é a água, mas nós tem que tomar, vai fazer o quê?”.

No acampamento, toda água vem de poços cavados pelas próprias famílias.

“Segundo a secretaria de Saúde do município, ela se encontra inadequada para o consumo humano. Quais são as principais doenças? Diarréia, vômitos, náuseas, coisas assim desse tipo”, diz Betel da Silva.

A proximidade dos banheiros e dos poços é uma das principais fontes de contaminação.

Mas não é só isso que preocupa. Já teve gente com toxoplasmose, cisticercose, leishmaniose. Sem contar problemas mais comuns como hipertensão, gripe, bronquite. Cuidar disso tudo é a missão assumida pelo seu Sebastião Lemos, um dos brasiguaios mais antigos do acampamento.

Seu Sebastião aprendeu noções de primeiros socorros. Ganhou até um aparelho para medir pressão. E mantém uma horta de plantas medicinais. Lida com isso desde menino.

“Se é uma coisa mais fácil, você vai na horta e faz o chá, pego colho a folha, de manhã cedinho, num pode ser no meio do dia não, porque em vez de ser medicamento as vezes ele se torna um toxicamento, né? Porque isso aqui é a mesma coisa que um medicamento químico, se nós num saber tratar, ela vai dar problema, né? Desde a hora que eu tratei e a pessoa não sentiu bem é a hora de correr e levar pro hospital”, afirma.

Esse é o caso de uma menina de onze anos, a Fabiana. Ela esteve no posto de saúde de Itaquiraí por causa de uma ferida. Houve até suspeita de leishmaniose, mas o exame deu negativo.

“Começou uma feridinha pequenininha, daí depois começou a inchar minha perna, dai fui no medico, que num aguentava mais de dor, tava inchado e eles falaram que tumor e furúnculo, tudo junto. O Tião agora tá fazendo o curativo pra sarar. Já faz mais de três meses que tá desse jeito”, diz.

A saúde no acampamento é um tormento para a prefeita de Itaquiraí, Sandra Cassone. Ela explica que o município não tem dinheiro para atender esse número crescente de pessoas.

“Teríamos que fazer um mutirão, teríamos que fazer exame nessas pessoas, porque também num pode sair medicando a torto e a direita, então o que tem ali pra Itaquiraí é impossível de cuidar, então nós estamos apagando incêndio, parecendo bombeiro, começa uma chama aqui a gente apaga, começa outra ali apaga , e vai levando e gritando pro Brasil: acorde porque a gente não consegue segurar”, afirma.

Márcia Schoffen sempre ouve a mesma coisa quando leva o filho ao médico: lona não é lugar pra ninguém, muito menos pra criança. Paulo tem bronquite asmática. Vire e mexe entra em crise. A mãe faz o que pode, esquenta água, dá banho dentro do barraco pra evitar friagem, mas não há o que fazer contra o inevitável. “Pinga a lona a noite inteira, o orvalho da lona. A serração vai pingando na lona”.

Márcia nasceu no Paraguai e sempre trabalhou na roça. Quando perdeu tudo por lá, veio com o marido e os três filhos para o acampamento. Para proteger Paulo, a caçula Bruna e o filho mais velho Marcos, ela improvisa. “Eu to colocando papelão debaixo da lona assim, embaixo da cama, pra num pingar nas crianças, assim evita de atacar a bronquite dele”.

As noites frias de inverno complicam ainda mais a saúde dos acampados, principalmente das crianças.

Na segunda parte da reportagem sobre os brasiguaios, voltamos ao acampamento para conhecer os agricultores que vieram de uma das regiões mais conflituosas do Paraguai.

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